O país das árvores de Natal

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Uma "árvore de Natal muito carregada". Foi assim que o secretário de Estado dos Assunto Fiscais se referiu ao sistema fiscal português, cheio de regimes especiais e de exceções. Ontem, Fernando Rocha Andrade falava de benefícios e incentivos fiscais que são frequentemente desenhados à imagem de uma tipologia de contribuintes, algumas vezes, com a melhor das intenções, mas que introduzem complexidade e que acabam por sair caros a todos.

Uma metáfora perfeita para ilustrar várias outras situações, que poderiam bem fazer de Portugal a terra dos mais belos exemplares desta tradição natalícia. E a maior de todas elas, a mais enfeitada árvore de Natal do país, é o grupo Caixa Geral de Depósitos (CGD).

Não é necessária uma leitura exaustiva do relatório e contas para perceber que esta árvore é incrivelmente frondosa. Além da atividade principal, receber depósitos e conceder crédito, que é, afinal, o negócio de qualquer banco, a instituição estatal tem uma série de participadas, nacionais e estrangeiras e dos mais variados setores de atividade. Nem metade da realidade está espelhada nestes relatórios e não será tão cedo que a atual equipa da CGD irá perceber, afinal, o que é que a Caixa tem. Uma verdadeira árvore de Natal, que sempre teve espaço para pendurar mais qualquer coisa. A António Domingues, o novo presidente da Caixa, e à sua equipa não irão faltar presentes e surpresas desagradáveis.

Foi assim com os bancos a operar em Portugal, que só após a crise se começaram a libertar dos ativos que não faziam parte do seu negócio principal, foi assim com a Caixa, sempre à mão para pendurar participações financeiras, assuntos de entidades relacionadas e património tangível, como é o caso do imobiliário. Décadas de gestão pública, promíscua e oportunista, que transformou a instituição num gigante dificílimo de gerir. Só um detalhe, uma coisa comezinha: em 2015, a CGD patrocinou o NOS Primavera Sound, o Caixa Ribeira, o EDP Cool Jazz Fest, o NOS Alive, o Marés Vivas, o Super Bock Super Rock, o Meo Sudoeste, o Vodafone Paredes de Coura, além do Caixa Alfama. Depois de tanto festival, a Caixa só resistirá se o Estado, o único acionista, efetuar uma injeção de capital que poderá chegar aos quatro mil milhões de euros. E para que isso aconteça ainda terá de convencer Bruxelas de que nada disto se traduz numa ajuda estatal.

É este o problema do país das árvores de Natal. Há as que foram caindo de podre, há a do sistema fiscal, há a do Grupo Caixa, bem como tantas outras que foram nascendo e crescendo para, como diz o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, servir os interesses específicos e datados de alguns grupos. É difícil, tenta-se sempre adiar, mas, mais cedo ou mais tarde, não há como não as desmontar.

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