O OLIMPISMO TÃO REVOLUCIONÁRIO COMO MAO
Fuwa Huanhuan é uma das mascotes dos JO de Pequim e, num desenho de uma parede de Pequim, remata uma bola de futebol com o pé esquerdo, no melhor estilo de Futre. Um garoto (ver a foto desta crónica) responde a Fuwa Huanhuan como se fosse um lutador de arte marcial...
Após estes JO certamente que se conhecerá mais sobre futebol na China. No fim de Agosto, o miúdo de Pequim saberá que o seu pé direito não deve atacar o pé esquerdo de Fuwa Huanhuan mas, sim, a bola (aquela coisa redonda com bolinhas pretas).
Os JO têm sido um formidável modificador dos costumes dos povos - e como o Comité Olímpico Internacional (COI), que os organiza, tem mais países representados do que a ONU, é o planeta inteiro que foi moldado pelos Jogos.
Ontem, quando o miúdo de Pequim ainda estava no passo errado no futebol, a China dava um passo na direcção certa da liberdade de informar. Recuou e suspendeu as restrições ao uso da Internet por jornalistas credenciados para as Olimpíadas deste mês.
A população em geral ainda não pode abrir um daqueles sites perigosos (como os da seita Falun Gong, proscrita no país). Mas os jornalistas credenciados em Pequim já têm acesso à BBC, em chinês... É pouco? Como o apetite vem com o comer, talvez seja um movimento irreversível.
A história moderna dos Jogos Olímpicos está cheia desta capacidade de mudar. Os primeiros 15 membros do Comité Internacional dos Jogos Olímpicos, criado em 1894, eram todos homens e todos europeus e americanos. Um terço deles era nobre, adeptos do desporto amador, um hobby para gente com tempo e posses e nunca uma profissão, como queriam as classes trabalhadoras.
E, como dizia o barão Pierre de Coubertin, sim, havia lugar para as mulheres nos JO: dando as medalhas aos deuses-homens dos estádios... Mas logo nos segundos JO, em Paris, 1900, houve 12 mulheres a concorrer. Nos JO de St. Louis, EUA, em 1904, organizaram-se provas paralelas para os povos "primitivos". Puro racismo, mas a verdade é que nos Jogos oficiais já houve, nesse ano, dois negros americanos que entraram em competições e ganharam medalhas...
Os JO foram sempre o reformismo em movimento. As conservadoras autoridades chinesas vão surpreender-se com as consequências da sua pequena abertura na liberdade de acesso à Internet... Ou talvez não se surpreendam, porque conhecem bem o papel modificador dos JO. O Governo aproveitou a ocasião para mudar hábitos ancestrais: não se deve sair à rua de pijama, os homens devem fazer a barba todos os dias, todos devem comer alho moderadamente... Se calhar este Agosto vai mudar mais a China do que a campanha de Mao conhecida como Grande Salto em Frente (1958-60).