O olhar do pintor e a cinepintura
Após a apresentação no prestigiado De Appel em Amsterdão, apresenta-se agora no CAV de Coimbra Weight de Borremans, literalmente peso, uma exposição de pintura. É neste género que se inscreve o modo como olha para os corpos, gestos e objectos que compõem o seu campo visual. Nesta co-produção entre as instituições holandesa e portuguesa, apresenta-se uma relação inédita entre vídeo e pintura o que faz desta apresentação um momento singular no pensamento sobre a natureza daquilo que é a pintura.
Ainda que se trate sempre de pintura, as obras desta exposição têm nos objectos vídeo e pintura as suas materializações, porque mesmo os primeiros são assumidos, e percebe-se bem porquê, como filmes-de-pintura.
A premissa que predomina é que o ponto de vista é sempre o da pintura. Fazem-se transições entre os diversos suportes e percebe-se que a questão deste trabalho não está na especificidade dos meios, mas na atmosfera que transita em todas as instancias de materialização deste olhar. Não significa que entre o desenho, a pintura e o vídeo se possa estabelecer uma relação de igualdade, mas entre eles podem fazer-se rápidas transições onde aquilo que se apreende diz respeito a um determinado modo de fazer nascer as figuras. Este traduz-se, no caso de Borremans, numa arte que vem de longe. A atmosfera que envolve cada um dos "temas" dos seus trabalhos tem ressonâncias ancestrais, recebe ecos dos tempos em que o olhar se espantava com a possibilidade do gesto, inscrito numa folha ou numa tela, se poder transformar numa imagem, numa representação, num fragmento do mundo. No limite, trata-se do fazer antigo da pintura.
Como escreve Delfim Sardo no catálogo da exposição, está em causa um fazer que se radicaliza "no corpo e na sua representação, não a partir da metamorfose, mas sobre a sua alteração do adereço, do gesto, da atitude e globalmente assente sobre o carácter subtil, débil e por vezes patético do pormenor." Os filmes deste artista adensam a trama contemplativa destas figuras: são filmes circulares e hipnóticos, aos quais escapa a lógica narrativa habitualmente associada à imagem em movimento. O isolamento natural dos seus personagens - irremediavelmente sós e sem redenção possível - destitui-os de quaisquer qualidades psicológicas e a única densidade que lhes é possível vem da espessura da tinta, da iluminação da sua volumetria, do contraste entre fundo e superfície, ou seja, do seu interesse enquanto matéria para a pintura.
A frieza destas pinturas é a sua coroa de espinhos e de glória. Por um lado, assumem as figuras pintadas como máscaras metafísicas da morte - os personagens de Borremans inscrevem-se numa zona limiar entre a vida e a morte, o real e o fantasmagórico, o espectro e o orgânico -, diria Genet trata-se de arte destinada à imensa comunidade dos mortos. Por outro lado, celebra a figura humana como tema imortal da arte, lugar do fascínio do olhar que seduz continuamente o gesto do artista.|