O olhar de uma afegã que regressou ao país

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Mina Wali Azim. É uma mulher afegã, com mais tempo de vida nos Estados Unidos do que no seu país natal. Regressou em 2003 ao Afeganistão, após um longo exílio, deixando para trás o conforto da sua casa na Califórnia e uma família ansiosa. "Nunca pensei sentir o que senti quando vi de novo as montanhas do Afeganistão. Chorei sem parar. Tinha encontrado de novo algo que perdera há muito"

Com a ajuda da AMI, abriu escola no Afeganistão

Mina Wali Azim é filha de um comandante da Força Aérea afegã que esteve ao serviço da monarquia e foi responsável pela base aérea de Bagram, actualmente ao dispor da tropa norte-americana. Com o início da revolução socialista, em 1974, o pai foi preso e a família ficou em prisão domiciliária. Retiraram-lhes tudo. A família, sem respostas sobre o paradeiro do pai, decidiu sair do país logo após a libertação do irmão mais novo, que tinha sido preso com apenas 13 anos. A mãe, professora, era constantemente incomodada por afegãos ao serviço da União Soviética naquele país.

Mina, que na altura já era casada e tinha uma filha nos braços, conseguiu, com a ajuda de subornos, um passe para o estrangeiro para um tratamento: entre a Alemanha e a Índia, optou pelo país europeu. Obteve o estatuto de exilada política logo após o primeiro ano de permanência na Alemanha, onde viveu três anos. Depois rumou com o marido aos Estados Unidos, onde já residiam vários dos seus familiares, também exilados.

Em 2003, quando ouviu pela televisão que a guerra tinha acabado e o Afeganistão era novamente livre, tomou uma decisão. "Voltar às minhas raízes, ao meu sangue", lembra ao DN gente. E recorda as suas memórias do dia em que voltou a pisar o solo natal: "Nunca pensei sentir o que senti quando vi de novo as montanhas do Afeganistão. Chorei sem parar, tinha encontrado de novo algo que há muito perdera."

Mal chegou ao aeroporto, viu como tudo tinha mudado. "Foi um choque. Tudo estava devastado." Uma devastação que começou com o regime pró-soviético e acabou com o regime talibã. Mas entre estes dois regimes houve uma período de guerras tribais. "As pessoas tendem a esquecer esse período, só se lembram do primeiro e do último, mas todos tiveram a sua quota-parte de culpa no que aconteceu ao meu país. Não sou a favor nem de uns nem de outros. Como civil, devo dizer sinceramente que todos têm as mãos sujas e responsabilidades no período de 1979 a 2008, ninguém pode dizer que foi melhor que o outro. Foram todos igualmente maus. Depois da invasão soviética espalharam a semente da desonestidade, com agentes infiltrados que suspeitavam de tudo e de todos. Pessoas com edu- cação fugiram do país ou foram presas, como o meu pai: ainda hoje não sabemos o que aconteceu, se está vivo ou se morreu..."

Mina perdeu 37 familiares desde 1979 e, quando decidiu voltar, toda a família no exílio foi contra. Em questão estava a falta de segurança e o facto de ser mulher.

O ataque terrorista às Torres Gémeas, em Setembro de 2001, fê-la temer pelos Estados Unidos. "Foi uma dor grande ver mães à procura dos filhos desaparecidos, sei o que é isso é porque me lembro de mim e da minha mãe à procura do meu pai no Afeganistão."

Apesar das notícias de cidadãos americanos de origem árabe ou muçulmana terem sido presos, por acusação de ligações terroristas um pouco por todo os Estados Unidos, não sentiu que as pessoas em geral agissem de forma diferente para consigo ou a sua família. "Vivo na Califórnia e senti-me muito integrada. Sou muçulmana e tenho muito orgulho em sê--lo porque a nossa religião é pela paz e inclui muito da Tora, da Bíblia e do Alcorão, estão todos relacionados... Qualquer livro religioso ensina a ser um bom humano, nenhum livro religioso ensina a matar."

Após a primeira visita, regressou em 2004 e verificou mais uma vez a pobreza extrema do país. O seu treino e os anos de experiência como professora bastaram para ter a ideia de criar uma organização não governamental, que, tal como o nome reflecte, é uma esperança de mãe para aquele país, - a Hope of Mother (HOM ou Esperança de Mãe, em português).

Antes de regressar ao Afeganistão, assegurou que tudo ia correr bem, mas ninguém da família acreditava que fosse mesmo fazê-lo. Até um amigo que vivia no Afeganistão prometeu ajudá-la e ser o seu braço--direito. "Mas quando realmente aconteceu, ele próprio admitiu, durante a construção da escola e quando as primeiras crianças começaram a chegar, que não tinha acreditado que fosse deixar o conforto dos EUA pela insegurança do Afeganistão."

Após trabalhar durante três meses como voluntária num orfanato, arranjou um emprego como directora de uma empresa de distribuição de jornais que trabalhava para a NATO. Foi nessa altura que conheceu o tenente-coronel Octávio Vieira, em missão naquele país. "Surpreendi-me com a delicadeza daquele militar, pois a minha experiência como filha e descendente de uma família de militares tinha-me mostrado o quão austeros normalmente são". Mina já havia batido a muitas portas em vão. Pela primeira vez, e pela mão de um militar português, viu uma luz ao fundo do túnel. "Após a promessa de distribuir os panfletos da nova ONG pelos vários países da NATO, foi só em Portugal, junto da AMI , que consegui uma resposta positiva", refere Mina Wali com um sorriso nos lábios: "Se houvesse um líder no mundo como o dr. Fernando Nobre, o povo seria mais feliz." Conseguiu uma reunião com o presidente da AMI, que por uma feliz coincidência se encontrava no Paquistão. Um mês depois estava no Afeganistão, sem segurança e com um carro levou Fernando Nobre à aldeia onde seria a escola, que reúne 430 alunos (220 das quais são meninas) e cinco professores.

O primeiro encontro com Fernando Nobre foi em 2005. A inauguração da escola, na província de Surkhroad, foi já este ano. Outro objectivo é a construção de uma clínica para os alunos e as respectivas mães. Para fornecer o direito básico à saúde, em parceria com a educação. Mina está feliz.

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