O novo mundo da viola campaniça
Quando se deu a conhecer, em 2017, com o soberbo álbum de estreia Longe do Chão, O Gajo surpreendeu, pelo modo como trouxe a viola campaniça para o ambiente urbano da grande Lisboa, trocando as voltas a este instrumento tradicional alentejano, que nas suas mãos tanto soava a fado como a punk rock. Um universo mais uma vez alargado no ano seguinte, com As 4 Estações de O Gajo um ambicioso projeto conceptual, inspirado na obra Le Quattro Stagioni, de Vivaldi, composto por 4 eps de cinco temas cada, lançados ao longo de 2018, um por cada estação do ano e cada qual com o nome de uma estação ferroviária de Lisboa, a remeter novamente para um conceito de viagem. Seguiu-se Subterrâneos (2021), num outro tipo de viagem, esta mais interior, através de um disco feito em formato trio, com dois pesos pesados da música nacional, Carlos Barretto no contrabaixo e José Salgueiro na percussão, que "só existiu devido à pandemia", como o próprio explica ao DN. E agora, com este Não Lugar, reconhece que "há de facto esse seguimento das 4 Estações, desse chegar e partir para novos lugares. Neste disco o objetivo foi mesmo o de levar a viola campaniça para outros lugares, encaixando-a com instrumentos dessas paragens. No fundo queria abrir-me ao outro, sem complexos nem preconceitos, tal como fazemos quando estamos em viagem", explica o músico, de seu verdadeiro nome João Morais e cujo passado nos meios mais underground do rock nacional, como guitarrista de bandas como Corrosão Caótica, Carbon H ou Gazua, não deixavam adivinhar uma reinvenção como a que conseguiu com este alter-ego musical. Tanto dele próprio, enquanto músico, como do instrumento, que conheceu "quase por acaso" numa noite em Beja, pela mão de "um exímio tocador" de viola campaniça. Sem o saber, tinha encontrado o caminho que há muito procurava, de "criar um som próprio, imediatamente identificado como português".
Mesmo quando surge misturado como sonoridades tão exóticas como acontece neste novo trabalho, no qual a viola campaniça surge lado a lado com a korá guineense de Braima Galissá, a viola caipira brasileira de Ricardo Vignini, a viola braguesa de Vasco Casais (Omiri), o Electric Saz turco de Thomas Attar Belier ou a sitar de Luís Simões (Satúrnia). "Não andei propriamente à procura do exotismo pelo exotismo, bem pelo contrário, porque recorri a empatias já criadas anteriormente. O único critério era conhecer os músicos e que eles tocassem este tipo de instrumentos. Aliás, as músicas foram feitas de propósito para eles", refere o músico, assumindo estar sempre num "lugar exploratório". Uma caminhada que, garante, "é para continuar", embora ainda não saiba bem dizer para onde, porque "a viola campaniça ainda tem muito para explorar" e por isso pretende "dar cada vez mais possibilidades ao instrumento". Outra novidade neste trabalho foi a introdução, pela primeira vez em O Gajo, da voz, neste caso a da cantora Kátia Leonardo.
"A minha ideia é sempre tentar não repetir fórmulas. Como nunca antes tinha tido voz, para mim fazia sentido ter agora. No futuro, se calhar, até poderemos vir a ter um disco de O Gajo elétrico", diz com humor. "Nunca tenho um compromisso muito grande com os discos ou as músicas que fiz no passado. O meu processo criativo não tem qualquer preconceito, barreiras ou fórmulas fechadas, a única preocupação é manter sempre a capacidade para me surpreender a mim próprio", sustenta. Um conceito que agora quer também passar para o palco, como vai já acontecer este sábado, em Carnaxide, no Auditório Ruy de Carvalho, no concerto de apresentação de Não Lugar. "Já fiz este disco sabendo que era impossível tocar o disco todo ao vivo. Vamos ter três convidados, o Braima, o Vasco e o Luís, bem como outro, muito especial, mas que será surpresa. Vamos também apresentar-nos com um novo trio e haverá pela primeira vez uma projeção de vídeo, para emoldurar as músicas com imagens". Ou seja, "para quem já viu O Gajo noutras ocasiões, vai ser algo completamente novo", garante.
O espetáculo está integrado no festival Soam as Guitarras, que se prolonga até junho em diversos palcos do concelho de Oeiras e este mês terá ainda concertos de Márcia e Tiago Bettencourt (20), Two Brothers (21) e Pedro Castro e Jon Luz (22).