O novo "boss" de Cannes está apaixonado pelos seus...atores
Outro título para dividir opiniões em Cannes. Juste La Fin du Monde, de Xavier Dolan, aconteça o que acontecer, não sairá de Cannes com o consenso do anterior Mamã. O canadiano terá "esticado" a corda - para o bem e para o mal. Diremos para o bem: trata-se talvez dos melhores filmes da carreira deste jovem querido de Cannes ( a Les Inrocks fez capa com o menino e chamou-o de boss).
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Filme de instintos e de tormentos íntimos, Juste La Fin Du Monde baseia-se na peça de teatro de Jean-Luc Lagarce, onde acompanhamos a chegada a um almoço de família de Louis, um dramaturgo famoso que vem anunciar à mãe e aos irmãos que está a morrer. Primeiro, tem de sobreviver ao banho de saudades da mãe, às perguntas da irmã mais nova que mal conhece e ao preconceito do seu irmão embrutecido.
Louis (interpretado de forma elegantíssima por Gaspard Ulliel) fala pouco e sorri algumas vezes. Quer ser mestre do seu destino mas a neurose da sua família não o deixa indiferente. Um almoço de família que é também um mergulho em memórias de adolescência que o deixam atormentado.
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Rodado com um perfume visual ultra estilizado, trata-se de uma proposta com uma propulsão gongórica assumida. Muita câmara-lenta, planos inclinados, jogos de iluminação e um baloiçar estonteante. É algo a roçar o extremo. E resulta, resulta porque aquela família em número de ataque de nervos pede o artifício de cinema. Mas no meio de uma encantadora (e assumida) fanfarronice visual está um cineasta de 27 anos com perfeito controlo dos tempos dramáticos e da forma de captar o amor e o ódio de uma família, sobretudo à mesa. Um cineasta que felizmente não tem medo dos close-ups na cara dos seus atores. Está apaixonado por Léa Seydoux, Gaspar Uliel, Nathalie Baye, Marion Cotillard e Vincent Cassel. Aliás, os seus rostos são devorados sem que se perca a respiração teatral. O "sufoco" da peça está lá todo e isso é de uma honestidade madura. De referir que o texto tem noções autobiográficas: o autor viria a falecer com sida...
O imenso caldeirão de emoções exaltadas, além dos berros, dos choros e das gargalhadas, tem aquelas explosões "pop" que já são imagem de marca de Dolan: rasgos de música que levam o nosso olhar para o onírico, nem que seja com música kitsch dos romenos O-Zone. Mas o que marca não são os sinais de uma sofisticação de pompa pós-moderna, não. Para Dolan o importante é seguir os caminhos de um melodrama clássico galanteador. O espetador menos cínico vai aderir ao amor incondicional daquela mãe, vai rever-se no desespero daquele filho incompreendido. Com Dolan, o fim do mundo é o grande teatro da vida, pressuposto de emoção pura. Emoção total.
Se os fãs de Dolan em Portugal podem abrir o champanhe por este filme já estar comprado, os seguidores da nova vaga romena também podem celebrar. Graduation, de Cristian Mungiu, foi também já adquirido (a competição está praticamente toda garantida e no Un Certain Regard há distribuidoras a apostar forte).
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Muito aplaudido na sessão de imprensa, o regresso do cineasta de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (Palma de Ouro em 2007) não desilude. O realismo romeno, produzido pelos irmãos Dardenne (que em Cannes, além do seu filme, também produziram um dos "casos" do Un Certain Regard, La Danseuse, de Stépanhie di Giusto), é agora transposto para uma história de paternidade em Cluj, onde um pai prestes a separar-se tenta acompanhar e controlar o bachalerato da sua filha. Através de conhecimentos, tenta junto de um professor influenciar as notas finais para que ela possa obter uma bolsa em Inglaterra.
Ética e dever paternal numa sociedade contemporânea romena onde nas ruas há violência e nos corredores dos hospitais e das escolas reina a pequena corrupção. Graduation é de uma dureza seca vital. Mungiu conta-nos uma história de pais e filhos com um centro de gravidade sempre intransigente. Ainda assim, longe do fulgor dos seus filmes anteriores.
Em Cannes