O nosso homem em Castela
Lerma é uma vila de nobres a caminho de Burgos que se destaca por um belo palácio, um óptimo vinho e dois ou três restaurantes onde se come um excelente cordeiro assado. Num deles, talvez o melhor, o empregado nota que somos portugueses e diz-nos, no final da refeição, que a cozinheira é nossa conterrânea. Pedimos para a conhecer, queríamos felicitá-la, cumprimentá-la, mas, passado um pouco, foi-nos transmitido que ela não queria sair da cozinha porque tinha vergonha de falar connosco. Insistimos, mas nada feito. Recusava-se a vir até à sala e também não aceitava que fossemos à cozinha. Saímos do restaurante desiludidos, comentámos o assunto durante algum tempo e chegámos à conclusão de que este tipo de comportamento tem a ver com a nossa forma de ser. Se fosse uma espanhola que estivesse na mesma situação, teria sido tudo bem diferente. Sairia da cozinha com ar firme e sorridente e faria uma festa junto dos seus.
Ainda recentemente, no aeroporto de Dublim, tive oportunidade de verificar a alegria de um jovem casal de espanhóis quando descobriu que a empregada de um dos estabelecimentos era castelhana e o ajudou a pedir um croissant e um café com leite em inglês, língua que os nossos vizinhos têm dificuldade em dominar. O entusiasmo foi de tal maneira que os que estavam na fila para os pedidos na caixa registadora tiveram de esperar pelo menos 15 minutos até que acabassem os abraços, as saudações e os olés.
A atitude dos espanhóis perante os outros e a vida não tem nada a ver com a dos portugueses. Nesta terra, os almoços duram das duas às quatro da tarde durante a semana e ao fim-de-semana podem começar às três e acabar às sete ou oito da noite. Há sempre conversa, motivo para discussões, risotas e combinação de programas. O ritmo e a energia são alucinantes. Há quem diga que a sesta (meia hora no máximo) funciona como um carregador das baterias que gastam pela noite fora. Seja como for, o castelhano, mais do que qualquer outro, nunca se deixa ir abaixo, nem humilhar. Tem um orgulho desmedido, uma força muito terrena e uma infantil agressividade que se traduz no falar alto e no olhar directo. Protesta por tudo e por nada, impõe a sua vontade e diz sempre o que lhe vai na alma. A rua, a praça e o estádio são os habitats preferidos. E quantos mais e mais juntos melhor.
José Mourinho, também conhecido como o Special One, o arrogante, o conflituoso, o ganhador, o audaz, o ambicioso, o estratega, desejado por tantos e tantas, aterra amanhã em Madrid para ser o treinador de um dos melhores clubes de futebol do mundo. Como vergonha não tem nenhuma, contamos com ele para pôr os espanhóis na ordem.