O nebuloso novo "verde"

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Enquanto o país assiste à mais recente novela que se desdobra em casos e "casinhos" que têm minado a confiança no poder político e nas instituições, há decisões que vão passando ao lado do escrutínio público.

Exemplo disso tem sido, por um lado, a fraca execução dos fundos comunitários, em particular do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e por outro, a forma como o dinheiro vai ser aplicado.

Através destes fundos o país tem uma oportunidade única de promover um desenvolvimento económico, social e ambiental mais justo. A máxima "taxar o carbono e aliviar as famílias" materializa-se em medidas como a taxa de carbono sobre a aviação e a navegação (esta última revogada pelo Governo), que pela mão do PAN foi introduzida no OE de 2021 e alargada aos jatos privados em 2023, cuja receita arrecadada serve para financiar os passes sociais. Após a Declaração de Emergência Climática emitida pelo Parlamento Europeu e por vários parlamentos nacionais e a proposta de Pacto Ecológico Europeu pela Comissão Europeia, Portugal avançou em 2020 com o lançamento da Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) depositando aqui muito da esperança de acelerar o processo de abandono progressivo do uso de combustíveis fósseis.
No entanto, o que se verifica noutras áreas, nomeadamente do negócio nebuloso e milionário do hidrogénio verde ou das eólicas é a opção de permitir o acesso a muitos milhares de milhões de euros a irem para aqueles que até aqui mais têm poluído e lucrado, à conta da asfixia das famílias!

Apesar de esta estratégia ter a sua potencial relevância, foi de imediato alvo de críticas, nomeadamente, por organizações não-governamentais de ambiente, que a consideraram demasiado ligada ao uso do gás natural, combustível fóssil cujo consumo tem de continuar a recuar para conseguirmos antecipar efetivamente a neutralidade carbónica.
Acresce, que o investimento previsto para a expansão do hidrogénio em Portugal, só em Sines, pode ascender aos 22 mil milhões de euros, financiado através do PRR. até 2035. O que representa 10% do Produto Interno Bruto em projetos que envolvem empresas como a Galp e a EDP, que fecharam o ano passado com um lucro conjunto superior a 1500 milhões de euros.

Ora, quando dez por cento do PIB está destinado a uma tecnologia que não está nem suficiente amadurecida como levanta imensas questões ambientais em face do modo de produção, quanto ao seu transporte e quanto a dever ou não ser exportada -- dados os custos e riscos de ineficiência e outros não apurados, no mínimo queremos saber onde cada euro será efetivamente investido -- desejavelmente, sem derrapagens e com que retorno esperado em termos ambientais e económicos, que tais investimentos se revelem, também eles, efetivamente sustentáveis e que os "vales de hidrogénio" não se transformem num saco sem fundo, lesivo dos interesses do Estado e de todos nós.
Precisamente procurando trazer mais transparência e maior escrutínio à execução do Plano Nacional do Hidrogénio, pelo volume de dinheiros públicos envolvidos e pelos riscos de corrupção, por iniciativa do PAN no Orçamento do Estado de 2021 (OE) o Governo ficou obrigado a divulgar publicamente, a partir de 2021, um relatório anual relativamente aos apoios e projetos para produção de hidrogénio previstos no plano. Este foi um passo importante, contudo, não obstante a informação que desde então passou a estar disponível publicamente no site do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR), a mesma peca ainda por deficitária. Dois anos depois, a referida alteração ao OE continua por executar cabalmente e assim continuamos sem conhecer em tempo real, por exemplo, a lista dos beneficiários diretos e indiretos dos apoios; continuamos sem ter acesso à avaliação económica e financeira dos projetos apoiados ou o grau de execução dos projectos apoiados. Estes negócios deveriam suscitar o mesmo escrutínio que levou o país a falar em quem estava ou não fechado na casa-de-banho do Ministério das Infraestruturas! É que no final do dia pagamos todos a conta, bem elevada, que decorre da falta de transparência ou da má opção política.


Deputada e porta-voz do PAN

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