O Natal também pode ser rock
Se o Natal é quando um homem quiser, então também pode soar como cada um bem entender. De Elvis Presley a Bob Dylan, é bem antiga a tradição de artistas oriundos do rock e da pop gravarem temas de Natal. Mais recente é a tradição dos amigos se reunirem em frente a um palco, em plena noite do dia de Natal, para assistirem a concertos rock - com ou sem clássicos de Natal.
"Os costumes alteraram-se muito, nestes últimos anos. Hoje, a maior parte das pessoas almoçam com o pai, jantam com a mãe, porque estão separados, e ao final da noite querem é ir beber um copo e ouvir boa música", refere ao DN Pedro Azevedo, programador do Musicbox. Desde há já alguns anos que este clube do Cais do Sodré é uma das catedrais lisboetas do Natal rock e público é o que não falta. "Nunca tivemos uma casa vazia, muito pelo contrário, é uma ótima altura para dar concertos e sair com os amigos. E também um bom pretexto para estrear a roupa nova, como eu faço [risos]", confessa Pedro, que neste ano desafiou a Cuca Monga, uma editora ligada aos Capitão Fausto, onde se agrupam projetos como Modernos, BISPO, El Salvador ou Ganso, para conceber e abrilhantar a "festa de Natal oficial do Musicbox", a realizar na noite de 25 de dezembro, a partir das 23.00.
Os Capitão Fausto são até, a par dos Pop dell"Arte, uma das bandas mais recorrentes nas celebrações natalícias da casa, mas também durante o resto do ano, como recorda Joaquim Quadros, um dos responsáveis pela Cuca Monga. "É uma relação para qualquer época festiva, porque temos aquelas portas sempre abertas. Foi lá que apresentámos a editora, com a Festa Moderna e é talvez o local em Lisboa onde as nossas bandas mais tocaram. Além disso, o Salvador Seabra (membro dos Capitão Fausto e dos Modernos) faz anos no dia 25, o que faz dele o nosso Menino Jesus, tanto em estatuto como em aparência", revela o também radialista da Vodafone FM. Para a ocasião prepararam um alinhamento com vários representantes da editora, que começa com um concerto dos Reis da República, coletivo de prog-rock instrumental, seguindo-se um DJ set de @Senhor Internet, o BISPO DJ7 "que não é DJ set", outra sessão de DJ com El Salvador e Tomás Wallenstein, "um convidado surpresa que ainda não se pode revelar nem o que vai fazer" e de novo um DJ set, para concluir a noite, desta vez a cargo de Vince Fu & Liamba. No meio disto tudo, "pode ou não haver canções de Natal", até porque "cada um tem total liberdade para fazer o que bem lhe apetece, mas quase de certeza que irão ouvir-se algumas ao longo da noite", avisa Joaquim Quadros, para quem "esta altura do ano "é perfeita" para este tipo de reuniões. "É quase como se fosse um grande encontro anual da família Cuca Monga, com as bandas, os amigos das bandas, os fãs" e, pode-se acrescentar, como manda a tradição da época, quem também vier por bem.
Bem mais tradicional é a Noite de Natal organizada por Manuel Fúria e os Náufragos, que tem lugar hoje à noite, no dia 23, também no Musicbox. A ideia surgiu depois de o grupo ter gravado o single Quem Foi Que se Esqueceu do Natal, tema lançado há poucos dias, que conta com a participação de João Cabrita (Cais do Sodré Funk Connection e The Legendary Tigerman) no saxofone e, como o nome indica, é dedicado à quadra. "Já tinha pensado várias vezes em fazê-lo e, como neste ano gravei um tema de Natal, achei que era a ocasião perfeita", confessa o artista. Esta já não é a primeira vez que Manuel Fúria participa numa festa do género, apesar de ser uma estreia em nome próprio. "Já tinha participado nalgumas das então chamadas Consoadas da Flor Caveira, mas era mais uma espécie de minifestival, com as diversas bandas da editora. Assim, a solo, é algo completamente inédito", sustenta, revelando que o concerto "vai ser uma mistura de dois mundos", incluindo temas do seu repertório com Os Náufragos e versões de clássicos do cancioneiro natalício, tanto nacional como internacional. É o caso de White Christmas, transformado por Manuel Fúria em Natal Branco ou All I Want For Christmas Is You, também traduzido para português como "és só tu que quero para o Natal". E se muitas destas festas são, por vezes, um quase manifesto anti-Natal - basta por exemplo recordar o título do concerto natalício de The Legendary Tigerman na ZDB, Fuck Christmas I Got the Blues, que neste ano, pela primeira vez em anos, não se realiza -, no caso de Manuel Fúria o objetivo é mesmo o de festejar a quadra. "Nunca fui contra o Natal, muito pelo contrário, até porque sou católico e para mim é importante celebrar o nascimento de Jesus. Mas também gosto muito desta época pelo tempo passado em família", diz o músico, que nesta noite irá também contar com alguns amigos em palco. É o caso de Alex D"Alva Teixeira, Samuel Úria, Luís Severo e Rui Pregal da Cunha, "amigos que também são família", como os apresenta Manuel Fúria. "Cada um deles irá interpretar um tema meu e uma canção de Natal", revela.
Também hoje à noite, no Cais do Sodré, mas mais junto ao Tejo, o Natal é assinalado no Titanic sur Mer, com o espetáculo Um Natal Catita, a cargo, como o nome indica, dos Irmãos Catita. Aqui, porém, o cenário não vai ser tão conservador como o de Manuel Fúria, como se percebe num post publicado pela banda no Facebook, onde é anunciado "um concurso de miss Natal T-shirt molhada, seguido de festa de espuma e de uma aparição da uma mãe Natal" - presume-se que com pouca roupa, como é habitual nos concertos dos Catita. Segundo Manuel João Vieira, que é ao mesmo tempo proprietário do Titanic e músico e vocalista dos Irmãos Catita, o repertório será composto por "um antigo fado de Natal do Alfredo Marceneiro e canções dos clássicos do cinema português dos anos 30, 40 e 50, ao melhor estilo de Tomás de Alcaide e Luís Piçarra". Mas tudo ainda está em aberto, até porque "ainda falta um ensaio e muitas mais músicas podem ser acrescentadas".
O Titanic volta a abrir as portas no dia 25, desta vez para um dos maiores acontecimentos da noite lisboeta nesta quadra, o concerto natalício dos Pop dell"Arte, que, de acordo com Manuel João Vieira, "já é uma tradição quase tão antiga como os contos de Natal do Charles Dickens". Na verdade, teve início em 1999, no antigo Ritz Clube. "Tínhamos acabado de lançar o Little Drama Boy, uma versão do clássico Little Drummer Boy e decidimos assinalar o facto com um concerto de Natal, que se repete até hoje. Aliás, só tocamos esse tema nesta altura", conta ao DN o vocalista dos Pop dell"Arte, João Peste. Depois do encerramento do Ritz, o concerto passou para o Maxime, que entretanto também fechou, passando a realizar-se durante algum tempo no Musicbox e, no ano passado, foi no Sabotage. A mudança para o Titanic sur Mer representa assim para a banda "uma espécie de regresso às origens", ao espírito desses primeiros concertos no Maxime, na altura também gerido por Manuel João Vieira. Entretanto, como reconhece João Peste, o concerto virou mesmo uma tradição de Natal para muita gente. "Já reparei que serve para alguns reencontros de amigos, mas também entre o nosso público e a banda, quase como se fosse uma festa da família Pop Dell Arte e não tanto um concerto normal", explica o músico. E, como tal, os fãs também terão direito a presentes, neste caso à interpretação de algumas canções novas, a incluir no próximo disco, com "edição prevista lá mais para a primavera". Depois do concerto, a noite continua sob a batuta de João Peste, mas agora na sua vertente de DJ. Só falta decidir se haverá "bolo-rei à discrição".