O Natal do Presidente

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Foi no outro dia à mesa, enquanto os correspondentes estrangeiros que trabalhamos desde Portugal jantávamos com o Presidente da República, que o Chefe do Estado partilhou connosco a sua grande preocupação pela seca e pelo drama de centenas de famílias afetadas pelos trágicos incêndios florestais de 17 de junho e de 15 outubro deste ano, com as 110 pessoas que perderam a vida, com as que ficaram sem casa e com os que sofreram importantes perdas materiais, além dos mais de 250 000 hectares de floresta queimada. O Chefe do Estado português confessou-se consciente da tristeza e do desassossego que inundará as famílias que viveram na primeira pessoa, ou de muito perto, nas datas natalícias. Por isso, decidiu, ele próprio, dar o exemplo e passar um Natal diferente, sem os seus entes mais queridos. Marcelo Rebelo de Sousa estará com a sua família nos dias antes da consoada, viajará até Pedrógão Grande no dia 24, como aliás tinha prometido em junho, e só voltará à sua família entre 26 e 30 de dezembro, no dia 31 partirá de novo em direção aos municípios que sofreram com os fogos de outubro para partilhar com aquelas gentes a passagem de ano e ali começar 2018.

As palavras do Presidente com a confirmação de que este Natal será para ele, e para a sua própria família, diferente, do mesmo modo que o será para os milhares de portugueses do interior que num instante viram esfumar-se com as chamas as suas terras, trabalho, casa e projetos e ilusões de toda uma vida, que não deixaram ninguém indiferente, à mesa do Palácio da Cidadela de Cascais.

Já que nós, estrangeiros a morar em Portugal, contamos os dias que faltam para o Natal, para viajar até aos nossos países de origem para nos reunirmos, nessas datas tão importantes, com os que habitualmente temos longe. Nestas últimas semanas têm sido várias as campanhas solidárias que surgiram na sociedade para não se esquecer o que aconteceu no centro e no Norte do país e aos que mais de perto viveram e sofreram a tragédia. Penso sinceramente que a melhor maneira que cada um de nós tem, daqui e de acolá, para ajudar nesta complexa realidade, é visitar as zonas afetadas pelo fogo, ajudar com a nossa presença e consumo a revitalizar a economia daquelas regiões, falar com as suas gentes, sensibilizar também os outros para que uma tragédia com a dimensão que esta teve não se volte a repetir.

Se há um tema fundamental para mim é o da proteção e da prevenção do meio ambiente, o respeito pela floresta, desde as escolas e às famílias e ao empenho dos governantes em aprovar políticas de prevenção para a floresta, caras e complexas, que demoram mais tempo a dar resultados dos que os quatro anos de uma legislatura.

Falo disto como filha de um engenheiro florestal empenhado nesta área, desde há meio século, primeiro na Rioja, perto do País Basco, nos frondosos montes de Ezcaray, San Millán de la Cogolla e a serra da Demanda, que conservam os mais belos faiais autóctones da Península Ibérica e onde o Pinus pinaster enche as ladeiras das serras, e depois na Galiza, que com a sua inestimável ajuda e capacidade negocial ajudou à concretização do Plano Florestal da Galiza. O plano demorou vários anos a ser aprovado com o consenso dos sindicatos, partidos políticos, associações florestais, agricultores e pequenos proprietários. Hoje, 25 anos depois, mantém-se de pé, com as suas lógicas modificações e já houve vários governos autonómicos, de diferentes cores, desde então. Serve isto para dizer que hoje mais do que nunca é preciso em Portugal não só de vontade política, que faz falta, mas também de generosidade e solidariedade coletiva de todos os organismos lusos e associações particulares envolvidos neste tema, para ceder e chegar a um acordo que profissionalize com os melhores técnicos a prevenção contra o fogo, a proteção e o cuidado da floresta, pelo bem não só de nós mas também das gerações futuras. Só assim começaremos a ver luz ao fundo do túnel, ainda que os dados do défice não sejam tão bons e o governo tenha de destinar mais verbas do que as previstas até ao fim da legislatura para a prevenção e cuidado da floresta.

Correspondente da Rádio Cadena Cope e do Jornal La Voz de Galícia

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