O "não político" que promete dominar a política brasileira
Na tomada de posse como prefeito de São Paulo, João Doria não citou Aristóteles, Séneca ou Winston Churchill. Preferiu uma passagem de As 48 Leis do Poder, livro de 1998 de Robert Greene, tido como a versão moderna de O Príncipe de Maquiavel e classificado como "amoral" e "manipulador" por parte da crítica. Na obra, Greene lembra que "um gesto honesto encobre dezenas de outros desonestos", aconselha a usar "palavras vazias de sentido mas cheias de promessas" e descreve os méritos de se "destruir o inimigo completamente". Detetada pela imprensa, a citação não causou danos ao prefeito, engolida pelo seu ritmo frenético de trabalho. Aliás, graças aos ensinamentos de Greene ou não, Doria cresce na aprovação dos paulistanos e nas sondagens para a eleição presidencial do próximo ano.
No primeiro dia nas novas funções, Doria promoveu o programa Cidade Limpa vestido de gari (termo usado para identificar os varredores de rua no Brasil) debaixo de flashes e nunca mais parou. Tinha acabado de vencer as eleições municipais à primeira volta - inédito na história - sustentado pelo slogan "Eu não sou um político". Um slogan que cai sempre bem, mais ainda num país a viver sob os destroços de uma operação, a Lava-Jato, que atingiu o âmago de Brasília.
Mas Doria não tem só o discurso a seu favor - tem também o método, a circunstância, o palco. O método é o tal frenesim, a que alude o seu outro slogan de campanha, "Acelera São Paulo": das cinco da manhã à meia-noite está em ações da prefeitura, replicadas em tempo real no Facebook.
Até porque Doria é um homem de comunicação, que aprendeu os truques de como falar em público à frente do grupo que criou, o Lide, composto pelos maiores empresários do Brasil, e que sabe lidar com a TV desde que apresentou a versão brasileira do programa The Apprentice de Donald Trump - embora a sua referência, sublinha, seja outro nova-iorquino, o ex-mayor Michael Bloomberg. Além disso, tem sorriso fácil, que usa em centenas de selfies diárias com paulistanos.
As circunstâncias também ajudam: entre os cadáveres políticos produzidos pela Lava-Jato contam-se os candidatos naturais do seu partido, o PSDB, ao Planalto. Envolvidos nas delações da construtora Odebrecht, os barões José Serra e Aécio Neves caem a pique nas sondagens. Tal como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que enfrentou as cúpulas do partido ao indicar Doria como candidato à capital do estado e se vê agora ultrapassado pela sua criatura.
Mas nem só Doria ganha com as circunstâncias. A julgar pelas sondagens, também beneficiam Lula da Silva, fenómeno de popularidade apesar dos casos de polícia em que foi citado, Jair Bolsonaro, o candidato de extrema-direita que já é o segundo preferido dos eleitores, Ciro Gomes e Marina Silva, sem mácula na Lava-Jato. No entanto, nenhum destes tem, como Doria, um palco como a prefeitura da maior cidade do Brasil.
O que falta então a Doria, adepto fanático de privatizações, contrário à legalização do aborto e à liberalização das drogas mas favorável ao casamento gay, para se assumir como favorito à presidência? Em primeiro lugar, a bênção de Fernando Henrique Cardoso, sem a qual ninguém consegue unir a máquina do PSDB. "O Brasil não precisa de gestores, precisa de líderes", disse o antigo presidente numa indireta ao prefeito. E falta obra em São Paulo ao "não político" que até agora se destacou mais pela guerra aos grafiteiros e aos ciclistas do que por uma ideia de gestão.
"Diria que em vez de se fantasiar de gari e de pedreiro falta que ele se fantasie menos e faça mais", afirmou o próprio Robert Greene, autor de As 48 Leis do Poder, em entrevista à BBC Brasil.
EM SÃO PAULO