O Muro se fosse vivo fazia hoje 50 anos
1. Em alemão Muro de Berlim diz-se Die Berliner Mauer. Mas de um lado e outro dele preferiam-se designações menos neutras: para os alemães ocidentais era «o muro da vergonha», para o regime comunista da Alemanha Oriental um «muro de protecção antifascista». Durou entre 13 de Agosto de 1961 e 9 de Novembro de 1989.2. Um relatório datado de 9 de Agosto de 1961 dos serviços secretos da República Federal Alemã (RFA), o BND, alerta para as pressões dos comunistas alemães sobre Moscovo para poder erguer um sistema de barreiras. Questiona-se, porém, sobre se o líder da República Democrática Alemã (RDA), Walter Ulbricht, conseguirá convencer a União Soviética a apoiar uma medida que criará tensão com a NATO.3. De visita a Berlim em Junho de 1963, cinco meses antes do seu assassínio em Dallas, John Kennedy profere o célebre discurso de solidariedade com a cidade. «Ich bin ein Berliner» («Eu sou um berlinense») contribuirá para o mito em torno do presidente americano.4. Mais do que um muro tratava-se de um sistema complexo de barreiras, onde na realidade existiam dois muros de 3,6 metros de altura, com o segundo deles, o que tinha uma fachada para o Ocidente, a ganhar fama mundial por ser pintado tanto por anónimos como por artistas e fotografado vezes sem conta. Em certos troços, fora já da malha urbana de Berlim, o cimento até podia dar lugar a barreiras de arame farpado. 5. A partir de Setembro de 1961, o metro deixa de transportar pessoas entre as duas metades de Berlim. Como a rede é complexa e o traçado do muro irregular, há comboios que vêm do Oeste, atravessam as estações-fantasma do Leste, fechadas, e reentram no Oeste. 6. A Porta de Brandeburgo, o mais emblemático monumento de Berlim, ficava na parte leste da cidade. O muro fazia-lhe uma rasante, desviando-se ligeiramente em forma de semicírculo. Hoje, no chão junto a essa atracção turística, está assinalado o antigo traçado do muro.7. Berlim é uma cidade cheia de cursos de água. O Spree e o Havel são os dois rios principais, com o primeiro a cruzar o centro da capital alemã. Isso criou sérias dificuldades aos construtores do muro, com sucessivas interrupções. Barreiras de bóias na água indicavam a fronteira e um barco ou um nadador ultrapassá-la significava tiros dos guardas do lado da RDA.8. A fronteira entre Berlim Ocidental e a RDA media 155 quilómetros. O traçado urbano do muro alcançava os 43 quilómetros.9. Poucos meses depois da queda do muro, Roger Waters dá um concerto na antiga terra de ninguém entre as duas Berlim. A música The Wall, dos Pink Floyd, não tem nada que ver com o muro, mas funcionou bem naquele contexto histórico. O concerto atraiu 350 mil pessoas junto à Erbertstrasse.10. Foram cinco mil os fugitivos bem-sucedidos para Berlim Ocidental.11. Berlim estava dividida em quatro zonas de ocupação desde a derrota nazi. Cada país dos Aliados controlava uma parcela, com a soviética a ser a maior. A junção dos sectores americano, britânico e francês deu origem a Berlim Ocidental, parte da RFA apesar de encravada na RDA. O sector soviético tornou-se Berlim Oriental, capital do novo Estado comunista. O muro dividia assim a cidade em duas metades ligeiramente diferentes em tamanho: o lado oriental era um pouco mais pequeno, cerca de 46 por cento.12. Foram perto de 15 mil os militares da RDA mobilizados para assegurar a separação da cidade na madrugada de 12 para 13 de Agosto de 1961.13. Celebrizado em inúmeros filmes de espiões, o Check Point Charlie é hoje ponto de romaria obrigatório para quem visita Berlim em busca de vestígios da Guerra Fria. Até existe um posto de controlo com um funcionário uniformizado como se 1989 não tivesse ainda chegado. Entre muitas lojas de memorabilia, destaca-se um museu que conta a história deste mítico ponto de passagem. «Está a deixar o sector americano», diz a famosa placa em inglês, alemão, russo e francês.14. Ao longo do Muro de Berlim, a ligar as duas metades da cidade, existiam apenas oito passagens, incluindo as ferroviárias. 15. O britânico John le Carré usou o mundo criado pelo Muro de Berlim para basear os seus livros de espionagem. Em O Espião Que Saiu do Frio, a principal personagem feminina é abatida quando tenta cruzar o muro. 16. O muro nasceu em 1961 para dividir Berlim, mas os soviéticos tinham antes tentado reunificar a cidade para a entregarem ao futuro Estado comunista alemão. Em 1948 cortaram os acessos terrestres e fluviais a Berlim Ocidental. Estaline, já numa lógica de Guerra Fria, procurava fazer os seus aliados contra Hitler desistir da presença na capital da Alemanha. Uma ponte aérea organizada pelos Estados Unidos manteve o ânimo dos berlinenses ocidentais.17. O traçado do muro chegava a deixar casas com as janelas viradas para Berlim Leste enquanto as portas estavam em Berlim Ocidental. Esses casos extremos acabaram por ser derrubados para evitar a passagem para a RFA. 18. Um em cada cinco alemães que vivem no que foi a antiga RDA afirma numa recente sondagem compreender o porquê do muro. Ouvidos pela revista Super Illu, uma maioria de 72 por cento declarou pelo contrário que a existência da barreira foi um crime.19. O muro dividia a capital histórica da Alemanha, mas as duas Berlim mereciam estatutos diferentes. Enquanto a RFA, fundada em 1949, se via como representante de uma Alemanha a reunificar no futuro, a RDA assumia-se como uma mera parte da Alemanha. Por isso, Bona ficou como capital provisória da RFA, à espera da unidade do país e de Berlim, enquanto Berlim Oriental se tornou a capital da Alemanha comunista. Depois da reunificação, em 1990, Berlim voltou a ser a capital única da Alemanha, o estatuto que lhe fora dado pelo kaiser Guilherme I em 1870.20. Willy Brandt, burgomestre de Berlim Ocidental, tem em 1961 a reacção mais enérgica ao muro, denunciando-o como «um crime contra o direito internacional e a humanidade». Uma década depois, como chanceler da RFA, promoverá a ostpolitik, uma política de normalização das relações diplomáticas entre as duas Alemanhas de modo a facilitar sobretudo os contactos das famílias separadas pelo Muro de Berlim.21. Britânicos e franceses assistem à queda do muro com estupefacção e preocupações geopolíticas. Nem a primeira-ministra Margaret Thatcher nem o presidente François Mitterrand são entusiastas da reunificação alemã. Aliás não acreditam que a URSS a permita. Com os sessenta milhões de habitantes da RFA mais os 16 milhões da RDA, uma Alemanha unida voltaria sempre a ser o país mais populoso da Europa, excluindo a URSS. Com ironia, há quem diga mesmo gostar tanto da Alemanha que prefere que haja duas. Mas com o apoio do americano George Bush, o chanceler Helmut Kohl, ajudado pelo chefe da diplomacia Hans-Dietrich Gensher, irá convencer Mikhail Gorbachev a não contrariar o desejo de unidade do povo alemão. A 3 de Outubro de 1990 volta a haver uma só Alemanha. 22. A três, cinco ou dez euros, depende do tipo de base e se têm ou não um certificado, os pedacitos de muro continuam a ser vendidos aos turistas em Berlim. Apesar de os comerciantes apregoarem a autenticidade, as dúvidas são muitas sobre se os pequenos blocos alguma vez tiveram um papel político.23. Morreram 136 pessoas por causas relacionadas com o Muro de Berlim: 98 que foram abatidas a tiro, morreram por acidente ao tentar fugir ou suicidaram-se no momento da captura; trinta cidadãos tanto do Oeste como do Leste que não tentavam ultrapassar o muro mas que foram abatidos; oito guardas fronteiriços da RDA, mortos por fugitivos, desertores, camaradas de armas e, num caso, por um polícia de Berlim Ocidental. 24. A expressão Cortina de Ferro foi inventada por Winston Churchill, primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial, e descrevia uma barreira imaginária entre Stettin no Báltico e Trieste no Adriático a dividir o mundo livre da parte da Europa controlada pelos soviéticos. Proferida pela primeira vez num discurso em Fulton, nos Estados Unidos, em 1946, viu a sua concretização parcial nascer a 13 de Agosto de 1961.25. A 24 de Agosto de 1961 o muro faz a primeira vítima: Gunter Liftin é abatido a tiro pela polícia quando tenta passar para Berlim Ocidental.26. Existem pedaços do muro espalhados por vários países a título de memória de uma época. Um deles está exposto na sede da CIA, em Langley, arredores de Washington, nos EUA. 27. Dois filmes recentes alemães mostram a vida numa Berlim marcada pelo muro: Adeus Lenine e A Vida dos Outros.28. Uma igreja do século xix foi derrubada em 1985 no esforço constante de aperfeiçoamento do muro como separador das duas Berlim. Nesse local da Bernerstrasse encontra-se hoje o monumento às vítimas da construção do muro.29. Conhecida como East Side Gallery, a maior secção ainda em pé do muro fica perto da Warschauer Strasse. As pinturas estão a ser restauradas.30. O Ampelmann tornou-se um símbolo da actual Berlim unificada, surgindo em t-shirts, postais ou blocos de notas. Mas o homenzinho do chapéu, na versão verde a caminhar ou na vermelha parado, é um legado da RDA, pois surgia nos semáforos da parte leste da cidade.31. Um grande bloco do Muro de Berlim está no santuário de Fátima. Com um peso superior a duas toneladas e meia, foi adquirido por um grupo de emigrantes portugueses na Alemanha e chegou a Fátima em 1991. 32. Os guardas ao longo do muro nunca receberam ordem expressa para atirar a matar, mas desde 1961 havia autorização para tal se fosse a única forma de evitar uma fuga. Tornou-se prática, pois, abater os fugitivos, o que se explica pelas promoções e condecorações atribuídas a militares da RDA que impediam a violação da fronteira e também pela forte doutrinação dos jovens recrutas colocados na vigilância do muro. Só a 3 de Abril de 1989, quatro meses antes do fim do muro, a liderança da Alemanha comunista deu instruções para que os guardas evitassem usar armas.33. Depois da criação da RFA e da RDA em 1949 assistiu-se a uma migração diária de centenas de pessoas do Leste para o Oeste. Calcula-se que 2,5 a 3,5 milhões de alemães viraram as costas ao regime comunista até 1961. Em nenhum ponto a passagem da RDA para a RFA era tão fácil como em Berlim, bastava apanhar o metro por exemplo em Mitte e sair em Spandau. A maioria dos que «votavam com os pés» era jovem e qualificada, o que criou sérios problemas à economia da RDA e até à viabilidade do país.34. Depois de John Kennedy em 1963 foi a vez de outro presidente americano associar o seu nome à história do muro. Em Junho de 1987, numa visita que coincide com a celebração dos 750 anos de Berlim, Ronald Reagan grita «Abaixo este muro».35. A política de abertura levada a cabo pelo líder soviético Mikhail Gorbachev a partir de 1984 vai trazer grandes alterações aos países do Pacto de Varsóvia. E 1989 será um ano cheio de acontecimentos, desde a vitória do sindicato Solidariedade, de Lech Walesa, nas primeiras eleições livres na Polónia à queda e execução do ditador Nicolae Ceausescu na Roménia. Mas serão as mudanças na Hungria que mais afectarão a RDA. Sob o pretexto de passar férias num país irmão comunista, milhares de alemães de Leste aproveitam a abertura de fronteiras pelo regime húngaro e entram na RFA via Áustria. Pressionadas por manifestações de milhares de pessoas a exigir mudanças urgentes, as autoridades de Berlim Oriental sentem-se impotentes, tanto mais que Gorbachev lhes proíbe o recurso à força. Uma corrente modernizadora assume o poder na RDA em Outubro de 1989, mas será incapaz de controlar as pressões pró-democracia.36. Violando a livre circulação das tropas Aliadas, a RDA tenta controlar a 27 de Outubro de 1961 o acesso ao sector soviético, que equivale a Berlim Oriental. No famoso Check Point Charlie, que liga os sectores americano e soviético, mobilizam-se uma dezena de tanques de cada lado. Mas nem Washington nem Moscovo desejam ver Berlim como ponto de partida da Terceira Guerra Mundial e ao fim de três dias os blindados retiram-se da zona próxima à Friedrichstrasse.37. É nos arcaicos Trabant que muitos alemães de Leste entram nos dias a seguir à queda do muro em Berlim Ocidental. O carro, de linhas ultrapassadas e de tecnologia fora de moda, faz fraca figura perante os BMW, Audi ou Volkswagen, mas ficará como um ícone de Berlim. 38. Exilado da URSS pelas críticas ao regime comunista, o violoncelista Mstislav Rostropovich encontra-se em Berlim no momento da queda do muro. A 11 de Novembro de 1989 dá um concerto a solo junto ao muro, uma homenagem à liberdade reconquistada. O episódio é transmitido pelas televisões de todo mundo. 39. Mais de cem mil cidadãos da RDA tentaram entre 1961 e 1988 (o ano antes das primeiras brechas na fronteira) passar para a RFA. Terão morrido cerca de seiscentos, a maioria abatida pelos guardas fronteiriços, mas também alguns afogados e outros que se suicidaram para não ser capturados. A tentar passar o muro morreram 136.40. Em 1989 estavam destacados para protecção do Muro de Berlim 11 500 militares.41. Chris Gueffroy, morto a 5 de Fevereiro de 1989, foi a última vítima do muro.42. Com as duas metades de Berlim ligadas pela rede de metro e de comboios suburbanos, centenas de milhares de cidadãos da parte oriental trabalhavam na parte ocidental, tentando juntar o melhor de dois mundos: os salários capitalistas da RFA com os arrendamentos de casa a custo controlado da RDA. Com a construção do muro em 1961, os que não se anteciparam fugindo para o Oeste ficaram desempregados. 43. Erich Honecker foi durante décadas o rosto da RDA e ficou famoso o seu beijo ao soviético Leonid Brejnev, uma das imagens mais célebres pintadas no muro. Como responsável para a segurança no SED, o partido comunista da RDA, Honecker foi um dos instigadores da criação do muro em 1961. Demitiu-se a 18 de Outubro de 1989 de chefe de Estado alegando «motivos de saúde». Apenas 11 dias antes a RDA tinha celebrado 40 anos. Passados 22 dias o muro cairia. Sucedeu-lhe o efémero Egon Krenz.44. A portuguesa Ana Leonor Madeira, que viveu na Alemanha até 1992, fez parte do grupo inicial de pintores convidado a fazer um «assalto pictórico» ao que restava do muro pouco depois da sua queda. Em 2009, por ocasião do 20.º aniversário do fim do muro, foi uma vez mais chamada a decorar a parcela sobrevivente da famosa barreira.45. O centro de documentação sobre o muro existente na Bernerstrasse recebeu meio milhão de visitantes em 2010.46. Frieda Schulze tinha 77 anos quando fugiu de uma metade de Berlim para outra. Foi a 25 de Setembro de 1961, saltando da janela do seu apartamento, um primeiro andar na BernerStrasse. Cá em baixo, os bombeiros de Berlim Ocidental amorteceram a queda, imortalizada numa foto. Hoje, dia do 50.º aniversário do muro, a sua rua servirá de palco às celebrações, com a presença da chanceler Angela Merkel, ela própria criada na ex-RDA.47. «Tanto quanto sei, imediatamente.» Esta frase de Gunter Schabowski, membro do bureau político do SED, ficou para a história. Questionado numa conferência de imprensa internacional em Berlim Leste sobre quando se aplicariam as novas regras de livre-trânsito entre as duas Alemanhas, o responsável partidário hesita, consulta as folhas à sua frente e acaba por dar uma resposta que lança uma multidão em direcção aos pontos de passagem no muro. As rádios da RFA, muito ouvidas na RDA, divulgam a notícia. São sete da tarde e perante a massa humana que se dirige para o muro as forças de segurança não sabem como agir. Em poucas horas, há gente sobre o muro a celebrar, alguns com picaretas iniciam a sua destruição, e alemães de Oeste e de Leste abraçam-se nas ruas mesmo sendo desconhecidos. 48. Os rumores da construção de uma barreira começaram a circular em força no início de Agosto de 1961. Cerca de cinquenta mil alemães de Leste apressaram-se nas duas semanas seguintes a mudar para Berlim Ocidental.49. Com a sua arquitectura ultramodernista, a Potsdamer Platz recuperou o seu lugar como um dos corações de Berlim. Mas no tempo do muro estava cortada em duas. A terra de ninguém criada pelo muro tem sido desde 1989 alvo de intervenções urbanísticas, num esforço de apagar as cicatrizes.50. «Ninguém tem intenção de construir um muro», declarou aos jornalistas internacionais dois meses antes da sua construção Walter Ulbricht, o líder máximo da RDA. A palavra muro surge então pela primeira vez na boca de um dirigente comunista alemão.