O mistério da casa amarela

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Faço parte das pessoas que entram em pânico facilmente quando se perdem num percurso. Resquícios de medos infantis diante da floresta escura e densa em que vagueiam vilões contrabandistas quando não lobos ferozes com dentes como sabres, ou talvez, de forma mais certeira, ausência de sentido de orientação? As razões devem ser muitas. A prática da profissão de jornalista teve um notável efeito medicamentoso: a obrigação de ir a muitos lugares sem ter tempo para preparar o percurso e obter todas as indicações necessárias à deslocação levou a medrosa que sou a dominar as suas ansiedades para não ficar parada sem fazer nada.

Mas ser sensível a essas questões deve, sem dúvida, estar na origem do meu fascínio pelo modo peculiar como os portugueses indicam o caminho. É necessário, pelo menos uma vez na vida, experimentar perder-se, especialmente no campo e de carro, para viver situações que às vezes são cómicas. Porque se a regra no país é de que, na ausência de sinais, tem de seguir em frente, não é o suficiente para encontrar o caminho. Uma vez encontrada a pessoa que milagrosamente está à porta de casa regando o seu jardim ou indo às compras - nem sempre é fácil encontrar em certos momentos nas aldeias remotas -, quando atravessa uma aldeia vai poder assistir a uma verdadeira minipeça de teatro interpretada apenas para si.

Após os primeiros segundos de legítima desconfiança, o interlocutor - escolha um homem, as mulheres muitas vezes são muito mais pragmáticas sobre essas questões - lançará a sua explicação muito pessoal sobre o melhor caminho a seguir para alcançar o seu objetivo. "É fácil. Segue em frente, lá mesmo à frente. Sobretudo não vire, hein! Sempre em frente. Depois da segunda... eh... não, espere... na terceira rotunda vire à esquerda. Vai ver ali uma grande casa amarela. Bom, não é aí. Deve continuar em frente. Não vire logo, é mais à frente. O que lhe disse? A segunda rotunda? Ah não, é a terceira. Mas não a nível da casa amarela. Em frente. Bom, e depois pergunta qual o caminho."

A explicação durou tanto tempo, o homem mudou tantas vezes o percurso que já está completamente perdido. O que o leva a fazer a pergunta: "Bom, vou em frente, e... depois...? Erro fatal, como dizem os computadores! O homem retoma as suas explicações do tipo "tá a ver a casa amarela, lá ao fundo? Bom, não é aí", que baralham mais do que os velhos mapas do antigamente antes de haver GPS. O homem aproxima-se do carro e inclina-se sobre a janela. Quer verificar que percebeu tudo, que não ficou qualquer dúvida e, de qualquer maneira, nunca vos vai deixar ir sem ter a certeza disso. E recomeça com a lengalenga: em frente, casa amarela, rotunda, à esquerda... não é aí. A vossa cabeça já está a andar à roda, perdeu as últimas certezas. Perante o desespero que ele vê na vossa cara, o homem está disposto a repetir tudo de novo. Quando, de repente, o segundo ato da peça começa. Um vizinho chega e depois outro. Forma-se um pequeno grupo. E no momento em que começa a sentir a impressão reconfortante de ter finalmente entendido, cada um dos recém-chegados avança com a sua própria explicação. "Eu não faria isso, ia primeiro à casa amarela", disse um deles. "Mas de que casa amarela está a falar? A do António, o primo de Marcelo que trabalha na Suíça?", pergunta o terceiro. "De maneira nenhuma. Trata-se da casa amarela da secretária do presidente da câmara municipal, Dona Isaura ", diz o primeiro. "Ah, esse! "... Os três homens respondem em coro, visivelmente aliviados por terem chegado a um acordo sobre esta questão. Voltamos ao assunto: "Bom, então minha senhora, é assim, segue em frente, sempre em frente..." Muitas interrupções depois, o ato da peça repetido mais uma vez, e depois de vários para-arranca, acaba por agradecer e fugir, com uma única pergunta em mente: "Como é que era mesmo...?"

Uma cena digna de um álbum do Astérix! Mas se as explicações são um pouco difíceis de seguir, elas são dadas com tanta gentileza e tal desejo de ajudar que não podemos ficar chateados com o discurso tão confuso dos aldeões. Certa vez, pensei que era uma atitude reservada aos estrangeiros, com quem se deve ser paciente e completo nas explicações (!) Mas não é bem assim. Isto acontece também aos portugueses com quem viaja e que, quando fazem a famosa pergunta "por onde é...?", recebem eles também respostas longas como rios e bastante confusas. A diferença é que eles já possuem o descodificador.

Depois de ter finalmente conseguido voltar à estrada, completamente baralhados com direita, esquerda, rotunda e mais rotunda, sentimos um certo júbilo, ao pensar que o evento provocado pelo nosso pedido inocente será a atração do dia para esta aldeia pacata.

Finalmente, cheguei ao meu destino. Sem nunca ter visto uma única casa amarela.

Correspondente da Radio France Internationale

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