O ministro da Defesa Nacional e as Forças Armadas

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As Forças Armadas (FFAA) foram surpreendidas pelo anúncio do ministro da Defesa Nacional (MDN) de uma proposta de lei que altera a estrutura superior das FFAA. Estas debatem-se com dificuldades gravíssimas, a que o ministro e o governo têm dado pouca, ou nenhuma, atenção. Então, porquê esta pressa, como se este fosse o maior problema que assola as FFAA?

Importa recordar que as FFAA têm sido o melhor instrumento da política externa do Estado e a instituição que mais tem prestigiado Portugal. A nível interno, têm correspondido, ultrapassando o expectável. Se é público e notório o bom funcionamento das FFAA, que razão justifica esta urgência? Acresce que as FFAA, desde 1974, foram a instituição que mais reformas sofreu e não devem estar em constante mutação, sob pena de não se construírem ou manterem alicerces fortes e correr-se o risco de se desmoronarem.

Os militares têm os mesmos direitos e liberdades dos demais cidadãos, com restrições previstas constitucionalmente. É a única profissão que tem esta limitação, embora a lei lhes garanta algumas compensações. Onde estão elas? As consecutivas alterações legislativas vão sempre no sentido de lhes ser aplicada a lei geral e, nas partes específicas da condição militar, os novos preceitos são altamente lesivos dos seus direitos e expectativas. Com tanto por resolver, o que pretende o MDN com esta iniciativa inesperada e a destempo? Cumpre uma agenda política, dando corpo à estratégia que vem sendo seguida por sucessivos governos?
Quando esta reforma for implementada, poder-se-á dizer que o CEMGFA passará a ter o comando completo das FFAA e os chefes dos ramos (CEM) descem um patamar na escala hierárquica, passando a estar totalmente subordinados ao CEMGFA e sem acesso ao poder político.

Sendo o CEMGFA e os três CEM todos generais/almirantes, portanto oficiais-generais de quatro estrelas, estão criadas as condições, agora sim legítimas e racionalmente sustentáveis, para retirar a quarta estrela aos CEM, já que não há qualquer justificação para continuarem a deter o mesmo posto hierárquico que o CEMGFA, porque, na verdade, passam a ter tarefas, responsabilidades e objectivos muito diferentes e estão um nível hierárquico abaixo. É lógico que os CEM passem a ser oficiais-generais de três estrelas e, com a mesma argumentação, que os actuais de três estrelas passem a duas, os de duas passem a uma e os de uma passem a zero.

Paralelamente, e muito mais grave, porque não se vai limitar aos oficiais-generais, todas remunerações vão descer, porque estes assumirão as remunerações dos novos postos e, a partir daí, e até ao posto mais baixo, todas cairão de forma proporcional.

Será dado mais um passo no sentido do apoucamento das FFAA, da diminuição do seu peso na sociedade e de as amordaçarem em nome de princípios, riscos ou fantasmas que não têm razão de existir. Se a isto juntarmos a redução dos postos superiores na hierarquia das FFAA e a poupança no orçamento, a missão foi cumprida e com total sucesso.

Os militares são disciplinados, obedientes, não reivindicam, confiam na tutela e vão continuar a responder bem a todas as missões que lhes forem cometidas. Quando os boys falham à frente de qualquer tarefa e não há outros boys que queiram assumir esse risco, são chamados os militares que não sabem, nem podem, dizer "não".

As FFAA são um sustentáculo do Estado de direito e um pressuposto da sua existência e independência. Mas só poderão cumprir os seus deveres constitucionais se forem respeitadas por todos os poderes instituídos. E tal não sucede.

Isso é particularmente sentido pelas gerações mais jovens, as que arriscam a vida diariamente, estão sujeitas a horários de serviço que ultrapassam o admissível, não vêm os filhos crescer, colocam os interesses da instituição e do Estado à frente dos seus e dos das suas famílias e vêm os amigos que optaram por outras carreiras desfrutar de melhores condições socioeconómicas. Esses jovens ouvem palavras muito agradáveis, mas sem efeitos práticos, porque o actual sistema político não responde aos seus valores, anseios e esperanças. Ainda há tempo para evitar que eles procurem apoio em outras soluções políticas menos consentâneas com os princípios democráticos. Assim o Estado o queira, na certeza de que nunca poderá invocar desconhecimento ou ignorância.


Tenente-general reformado.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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