O meu comentador agora é Presidente
1 Marcelo absoluto. Marcelo coroado. Marcelo primeiro, Marcelo à primeira. Marcelo Presidente. Marcelo é a partir de hoje o meu Presidente. Um meu que não é meu, é nosso. É o Presidente da direita, é o Presidente da esquerda, é de Passos, é de Costa, é de Nóvoa, é de Tino, Marcelo virou um bem coletivo, embora eleito "só" por 52 por cento.
Já tinha deixado de ser meu - no sentido estrito da posse, daquilo que temos e não se divide, de que nos apropriamos porque tanto gostamos - no momento em que se disse candidato. Falamos umas dezenas de vezes sobre essa possibilidade. Sempre por minha iniciativa.
Enquanto diretor de Informação da TVI não podia deixar os jornais de domingo pendurados na indefinição de quem nos ajudava, semana após semana, a ganhar. Pior do que viver sem aquele "seguro de vida" era ficar à mercê de uma decisão que todos adivinhavam, mas ninguém estava seguro de que iria mesmo acontecer. Incluindo o próprio.
Porque Marcelo é tático. Porque, e descobri isso no último ano, Marcelo é medroso, tem pânico de perder. Marcelo Rebelo de Sousa queria ser Presidente da República - e isso era indisfarçável. Mesmo quando dizia não, tudo em si afirmava o contrário. O desejo, a vontade, o sonho, a ambição - estava na cara que o homem tinha Belém em mente, sonhava com isso.
Mas sentia-lhe a hesitação nos silêncios. Principalmente no que dizia e pensava sobre as hesitações dos outros. O que Passos Coelho ia fazer - e já era muito bom que não fosse do contra. Se Rui Rio avançava. A baralhada na esquerda. Ou, antes disso, se Santana Lopes recuava no recuo que já tinha anunciado. Marcelo lê e interpreta todas as sombras, de uma forma tão intensa como as teme.
A Marcelo ganhei afeição, como já aqui confessei na mesma semana em que ele se assumiu candidato. A inteligência que impressiona. A simpatia, que é naturalmente cativante. A criatividade, que tem tanto de desconcertante quanto de estimulante. Mas sobretudo a inesgotável disponibilidade - nunca disse que "não" a nada que lhe era pedido, solicitado ou simplesmente sugerido.
Marcelo é um furacão, uma força da natureza, um espontâneo compulsivo que entra facilmente na vida de todos aqueles que com ele privam. Marcelo é traquinas. Marcelo é travesso. Marcelo é endiabrado e irrequieto. Marcelo chega a ser maroto e é isso que o torna engraçado. Marcelo é fixe! Gosto de Marcelo, porque é único e inimitável.
Escrevo-o assim, só agora e desta maneira, depois do homem eleito, assunto arrumado. Para que não subsistam equívocos. Da mesma forma que esperei por este momento para responder à crítica, ao ataque em forma de perguntas que, nas últimas semanas e vezes sucessivas, foram dirigidas à TVI, essencialmente pelos outros candidatos: porque não o mandaram embora mais cedo? Porque aceitaram o jogo e continuaram a dar-lhe palco? A televisão vende um Presidente como vende um sabonete?
2 Marcelo Rebelo de Sousa era o comentador de televisão de maior sucesso em Portugal. Ponto final, parágrafo. E não o era de agora, nem do último mês ou do último ano. Durante 15, quinze anos, ele fez aquilo que ninguém conseguira antes. Quarenta minutos a falar, temas por si escolhidos evidentemente. Como cada um de nós, que escreve ou diz colunas de opinião, tem a liberdade de o fazer sobre o que quiser.
Marcelo analisava, Marcelo enquadrava, Marcelo driblava, Marcelo explicava, Marcelo antecipava. E fazia-o sem imagens, sem intervalos, sem truques cénicos ou infográficos. Nada, só ele e o espectador. Os milhões, que não o deixavam perder a liderança de audiências por um minuto que fosse. Só um Benfica-Sporting, à mesma hora e em canal aberto, o derrubava.
De certa forma, Marcelo era a antítese da televisão, um fenómeno que quebrava todas as regras de ritmo, de som e imagem. Interpelado pelos melhores pivôs, jornalistas credenciados, comunicava sem intermediação. Aquela figura prendia o país por sua obra e graça. Foi esse dom que o tornou popular, por isso se tornou candidato e assim se fez Presidente.
Foi a visibilidade da TVI, nos últimos anos, que lhe proporcionou o triunfo nas eleições deste domingo. Ninguém de perfeito juízo pode negar isso. Rebelo de Sousa até poderia ser hoje Presidente da República eleito, mas não chegaria lá daquela forma, numa campanha corpo a corpo, estilo pop, que apostou tudo no que as televisões - as televisões, sempre as televisões - durante o dia captassem e à noite transmitissem.
Mas já é um enorme disparate procurar motivações de natureza política na decisão de o manter em antena. Dizem, ele sempre teve essa intenção! E, portanto, seria afastado com base nisso, o senhor faça o favor de se ir embora porque todos acreditam que a sua intenção é ser candidato a Presidente da República... ridículo.
O ridículo mata. E nele jaz Rui Rio, que desistiu, que usou a desculpa para esconder que não foi capaz. Na semana da sua despedida, troquei um abraço em direto, em pleno Jornal das 8, e disse-lhe qualquer coisa do género: "Boa sorte, porque não lhe vamos dar tréguas." Ali morria o comentador da TVI. Mais DO que isso, provavelmente a presença mais constante nos meus dez meses anteriores, todos os dias e sem hora marcada.
Impossível ficar indiferente a isso. Também o escrevi aqui. E, contados os votos, realizados todos os debates e entrevistas, desafio que alguém prove o contrário. Não é matéria de opinião, de acho isto ou aquilo. Provas assentes em factos: teve ou não Marcelo mais tempo de antena do que os outros candidatos dados como favoritos; foi a TVI mais condescendente do que outras televisões na cobertura das suas ações de campanha; e o próprio discriminou televisões?
E, aqui, neste espaço, no mesmo dia em que o critiquei pelo estilo "corpo mole", de se "fazer de morto", de não se querer comprometer, recebi um telefonema mais ou menos assim: "Já me disseram que andou a escrever umas coisas simpáticas a meu respeito; mas não li." Faz duas semanas. E desde então não mais falámos. Acho que ficou amuado. Não terá apreciado o favorecimento.