O método Bolsonaro: contra os radares e os "cachaceiros"
É a notícia mais lida no site da Folha de São Paulo: "Em guerra com os radares, Bolsonaros somam mais de 40 multas de trânsito". Poderia ser apenas uma história sobre os hábitos de condução do Presidente brasileiro, dos seus três filhos e da sua mulher. Mas surge no meio de uma outra, que revela o caráter brigão de Jair Bolsonaro - e a intensa campanha de propaganda permanente que define o estilo dos políticos que parecem ter mais êxito na atualidade. O presidente do Brasil deu a entender que o anterior governo do seu país era "um bando de cachaceiros". E o seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, chamou "criminoso" a José Sócrates, quando estava em Lisboa.
O que estas três histórias - pouco relevantes, porventura - têm em comum? Um método. Jair Bolsonaro anunciou, no Facebook, em março, que os radares nas estradas apenas servem para fazer caça à multa de trânsito, e que iria impedir a instalação de novos equipamentos de vigilância. No Brasil, os condutores têm um sistema de pontos que obriga, ao fim de algumas infrações (20 pontos) à suspensão da carta. Ora, também aí, Bolsonaro prometeu agir, duplicando o número de pontos (40) a partir do qual os condutores seriam punidos.
Agora sabe-se algo mais. A primeira-dama do Brasil e Flávio Bolsonaro, senador filho do Presidente, já têm pontos suficientes para que as suas licenças de condução sejam suspensas, revela a Folha de São Paulo. O próprio Jair Bolsonaro já está próximo do limite de pontos, com 18, resultado de seis infrações, duas das quais "gravíssimas". No dia 7 de janeiro de 2018, Bolsonaro passou um sinal vermelho na Barra da Tijuca. Antes tinha conduzido na faixa bus.
Além das multas, propriamente ditas, a família próxima do Presidente tem uma longa lista de erros de condução: passagem de sinais vermelhos, excesso de velocidade, condução de carros "sem licenciamento". Na semana passada, no dia 25 de abril, Bolsonaro foi multado por conduzir uma mota sem capacete.
E qual é o resultado de tantas multas e registos? Do ponto de vista legal, nenhum. Nenhuma das situações transitou em julgado. Logo, apesar de ter mais do dobro dos pontos permitidos pela lei, nem a primeira-dama, nem o senador Bolsonaro, viram as autoridades suspender a sua carta de condução. A Folha revela que as próprias autoridades concedem que "o processo de suspensão já poderia ter sido instaurado".
Há, porém, um resultado político evidente. Jair Bolsonaro quer diminuir o número de radares e quer aumentar o número de pontos que ditam a suspensão da carta.
A Folha perguntou a Flávio Bolsonaro se haveria na agenda das medidas propostas por Jair Bolsonaro uma tentativa de resolver os problemas da sua própria família. O senador garante que não. "Só tenho a dizer que a lei é para todos."
Se, em vez de multas, o problema é uma acusação - como as que Lula, e Sócrates, dirigiram a Bolsonaro e a Moro - o método é dar um passo em frente. Na sua entrevista à Folha de São Paulo e ao El País, dada na prisão onde se encontra a cumprir pena, Lula da Silva disse, no final de uma resposta de "auto-crítica", que "esse país [é] governado por esse bando de maluco".
Bolsonaro reagiu assim: "Pelo menos não somos um bando de cachaceiros, né?" Depois continuou: "Olha, eu acho que o Lula, primeiro, não deveria falar."
A ideia de que um chefe de Estado deve exibir moderação, ser sensato, porventura magnânimo, parece datada. Olhando para alguns dos mais recentes eleitos, como Trump, Duterte e Bolsonaro, a fórmula do êxito parece residir, antes, no contrário. Um chefe de Estado tem de ser desbocado, duro, muito mais crítico do que os seus adversários. Seja com um opositor preso, como Lula, seja com um simples radar de trânsito.