O mês em que Londres sucumbiu ao "nevoeiro sopa de ervilha"
Em 1661, John Evely, escritor e diarista, também jardineiro, endereçava panfleto ao rei Carlos II, dando-lhe conta do estudo que empreendera. Fumifugium, título da obra, expressava as preocupações de Evely, conselheiro real, sobre a qualidade do ar na cidade de Londres. O século XVII queimava muito carvão e, com este, toda uma coorte de matéria poluente, como enxofre, dióxido de carbono, óxido nítrico. A capital londrina sufocava. O conselheiro do rei, entre os pioneiros do estudo da poluição do ar, sustentava a transferência de fábricas para fora da cidade e a plantação de jardins de cheiros.
Perto de 300 anos depois, um caldo tóxico, proveniente da combustão de carvões e combustíveis fósseis, caía sobre a capital inglesa. Quando o mês de dezembro de 1952 avançou para ocupar as páginas do calendário, Londres sucumbiu ao longo de quatro dias ao smog (da contração das palavras inglesas para smoke - fumo - e fog - nevoeiro). Quis o outono frio empurrar os londrinos para a queima intensiva de carvão como forma de aquecimento. Carvão doméstico de baixa qualidade a contrastar com o bom carvão, então exportado para suportar a fatura pesada da recuperação económica após a Segunda Guerra Mundial. Acrescia, na Grande Londres, o labor das fábricas operadas a carvão. Equação a que se juntava a circulação de dezenas de milhares de viaturas movidas a diesel e o afã de centenas de comboios com máquinas a vapor.
Congeminou a dinâmica atmosférica para empurrar desde a Europa continental uma massa de ar gélido. Ao frio e tempestuoso mês de novembro sucedeu, a partir de dezembro de 1952, o ar polar. Os dias apresentavam-se límpidos. Contudo, invisíveis, nasciam as condições que aprisionariam oito milhões de habitantes da área metropolitana naquele que ficou conhecido como "o grande nevoeiro" ou "o grande smog". Manto mortal, com as partículas de poluição a aderirem à miríade de gotículas de água minúsculas aprisionadas na bolsa de ar quente urbana que se mantinha sob o ar frio.
A capital inglesa conheceu, então, quatro dias de caos e morte, de 5 a 9 de dezembro. Com o smog da década de 1950 ganhava nova dimensão a expressão que viajava desde o século XVII, "nevoeiro sopa de ervilha" (pea soup fog).
Com o século XVIII, Luke Hoard, cientista amador de botânica, química e geologia, interessou-se pelo pea soup fog. No seu labor científico, Howard fez mais do que categorizar nuvens, organizando-as em grandes famílias (de alta, média e baixa altitude). Luke tornou-se pai da moderna meteorologia e precursor no estudo do clima urbano ao publicar em dois volumes, respetivamente em 1818 e 1820, The Climate of London. Na mesma época, o artista plástico John Sartain ao publicar as suas memórias de juventude prestava tributo ao doentio nevoeiro londrino: "Esgueirava-me para casa através de uma névoa tão densa e amarela quanto a sopa de ervilhas."
Espessura de uma sopa de ervilhas que Londres respirava nos primeiros dias de dezembro de 1952 no nevoeiro amarelecido que se erguia 200 metros a partir do solo e que reduzia a visibilidade a menos de um metro. Nevoeiro que corroía a saúde dos habitantes da capital inglesa. Estimativas conservadoras apontam para quatro mil mortes diretas, outras para até 12 mil, sucumbindo, entre outras, a broncopneumonia e bronquite purulenta aguda. Mais de 25 mil pessoas procuraram assistência médica, com infeções pulmonares e do trato respiratório. Por dia, mais de mil toneladas de partículas de fumo, 140 toneladas de ácido clorídrico e 370 toneladas de dióxido de enxofre enegreceram o céu.
Cenário que sustentava as predições, ainda em 1880, de Francis Albert Rollo Russell, meteorologista, também estudioso das causas do cancro, que fez publicação maldizendo os fumos exalados pelas lareiras domésticas na Grande Londres. Francis Albert, filho do primeiro-ministro John Russell lançava um olhar crítico às fachadas enegrecidas dos edifícios, às roupas sujas nos estendais, às doenças respiratórias e às mais de um milhão de chaminés suspirantes de Londres.
Chaminés poluentes que, em 1952, obrigaram toda a rede de transportes públicos londrinos a suspender a operação (à exceção do metropolitano). Espetáculos foram cancelados pois o smog infiltrava-se no interior dos edifícios. Atividades desportivas viram-se suspensas. Parte da população circulava com máscaras de proteção. Tudo isto sob a luz esvaída da iluminação pública.
A tragédia de 1952 resultou na adoção dos Clean Air Act, respetivamente em 1956 e 1968, ambos consolidados em documento de 1993, com medidas para a redução do dióxido de enxofre e fumos provocados pelo carvão.