"O melhor que se pode fazer por um país não é ser de direita ou esquerda, mas sim tomar as decisões certas"
Vai ser a médio-prazo mais barato para os portugueses comer carne argentina e beber Malbec graças ao acordo desta semana entre o Mercosul e a União Europeia?
Sem dúvida. Creio que o acordo Mercosul-União Europeia, ou União Europeia-Mercosul, vai gerar um intercâmbio que vai multiplicar muitas vezes as trocas comerciais entre ambas as regiões. No caso de Portugal, em especial, é um país dentro da União Europeia que se vai transformar num país central, por diferentes razões e uma delas é por ser o que mais perto está da nossa região, com os seus portos, os portos ibéricos em geral, a ganharem importância. Para os países, como a Argentina, que fazem parte do Mercosul, este acordo, com redução de taxas e compromisso de intercâmbio comercial, favorece também muito. Na realidade, o acordo favorece muito os povos tanto da União Europeia como do Mercosul.
Além da afamada carne e dos bons vinhos, que outros produtos pensa a Argentina vir a exportar para a Europa depois deste acordo, cuja negociação se arrastava há anos?
Este acordo cria oportunidades várias. Primeiro que tudo com um fundo que as empresas europeias vão criar para que as empresas sul-americanas possam incorporar também as novas tecnologias e assim modernizarem-se. Depois, a criatividade das diferentes indústrias serão ferramentas postas à disposição tanto da Europa como dos países do Mercosul para poderem concorrer livremente. Cada país vai explorar o seu talento. Há o caso do Brasil, que tem uma indústria mais avançada, que intervém já fortemente no comércio mundial. Quanto à Argentina, que tem muitas vantagens competitivas, terá de encontrar ao longo dos dez anos que estão previstos para a adaptação de taxas e tarifas os meios para poder também afirmar o seu talento. A Argentina, que tem grande capacidade de acrescentar valor à indústria agro-pecuária, exporta, por exemplo, neste momento cereais, poderá no futuro exportar esse mesmo produto transformado. Há muitas oportunidades também na industria petrolífera e de gás, dos quais há três anos éramos importadores e agora, com apenas 3% da jazida de Vaca Muerta, já dá para exportar gás e estamos à beira da autosuficiência petrolífera. Também na produção de prata, de cobre e de lítio, recursos dos quais a Argentina ainda não soube tirar proveito. Temos a segunda maior reserva de lítio, mas só agora começam os investimentos para se poder extrair esse minério que hoje é dos mais importantes para as indústrias de tecnologia. Com este acordo estamos perante um mercado de 800 milhões de pessoas e por isso são mesmo muitas as oportunidades. Na realidade, 800 milhões de consumidores com uma altíssima capacidade económica. Creio que o mundo tem de ser pensado dessa forma, como feito de intercâmbio comercial. Como dizia um pensador argentino, Juan Bautista Alberdi, não não há melhor saúde para os povos do que dedicar-se ao comércio.
O que imagina Portugal a exportar para a Argentina?
Desde há muito tempo que há empresas portuguesas presentes na Argentina. Que investem em vários setores. Desde o da indústria automóvel ao vinícola, desde o das corticeiras até o das energias renováveis e agora a Argentina já fabrica as suas próprias turbinas para os moinhos de energia eólica. Também nos painéis solares há empresas portuguesas a trabalhar. Penso, aliás, que não nenhum sector que não possa haver um intercâmbio. Trata-se de um duplo-sentido. Uma ida e volta. Por exemplo, a indústria de moldes portuguesa está já a fazer parcerias com industriais argentinos. Tanto para Portugal como para os restantes países da União Europeia este acordo com o Mercosul é uma excelente notícia, de uma importância de grande máxima. Ainda há pouco, visitantes do instituto nacional de tecnologia da Argentina estiveram aqui em Portugal em busca de modelos para a indústria têxtil e de calçado. Esta indústria do calçado chegou a ser sólida na Argentina, mas perdeu, por más decisões políticas, e pela proteção tarifária, o seu tempo, foi ficando para trás. E Portugal, que passou por essa etapa mas hoje tem um sector ligado ao têxtil e ao calçado altamente competitivo, mostra-nos como é errado ficar numa economia fechada. Este sector é um bom exemplo de como certas visões da economia falharam e outras tiveram êxito. Portugal neste momento pode ser um exemplo a seguir.
A viragem à direita em vários países da América do Sul nos anos recentes ajudaram a este acordo?
Penso que não tem que ver com esquerda ou com direita. Tem que ver com uma visão mais pragmática de como de desenvolve a economia global. Por exemplo, e vou falar de dois casos paradigmáticos, sem referir países do Mercosul: a Colômbia costuma ter governos mais ou menos com as mesmas características políticas e abriu a sua economia e neste momento está prestes a juntar-se às economias mais desenvolvidas; e o caso do Chile, que tem visto, desde a restauração da democracia pós-ditadura de Pinochet, uma sucessão de governos de diferentes cores políticas - democratas-cristãos, socialistas e agora com Sebastian Piñera a direita - mas a sua visão mantém-se e deve ser o país que mais acordos de livre comércio tem no planeta. E Chile que parecia ser dependente do cobre tem uma economia próspera, uma grande mobilidade social. Ou seja, ao mundo deve olhar-se não do ponto de vista da ideologia, porque por causa da ideologia chega-se a perder a visão de tal maneira só por partilha dessa mesma ideologia se chega a aceitar aberrações políticas e violações dos direitos humanos. Por isso, o melhor que se pode fazer por um país não é ser de direita ou de esquerda, mas sim tomar as decisões certas e sensatas para que os povos sejam felizes.
Haverá um aumento da taxa de crescimento económico dos países tanto da União Europeia como do Mercosul a médio prazo em consequência deste acordo agora em Bruxelas?
Este acordo vai-se sentir a longo prazo. Vai passar muito tempo até que os parlamentos dos vários países o aprovem. Neste momento, por exemplo, na Argentina já começaram algumas conversas com os sectores da indústria, também do campo, e com sectores sindicais para que se avance porque sempre surgem vozes a dizer que não sabem do se trata mas que se opõem. A verdade é que, sem dúvida, que acordos destas características já provaram e comprovaram que os países envolvidos ganham acesso a mercados onde podem colocar aquilo que a natureza lhe permitiu fazer com vantagem competitiva. Basta ver, apesar das atuais discussões ideológicas, como funcionam os acordos entre Estados Unidos, Canadá e México, como funcionam noutros recantos do mundo tantos acordos de livre-comércio. Esta é a via, é o caminho. Não se trata de prejudicar um sector em detrimento de outro, mas sim que cada um possa ser competido. Porque para proteger um sector determinado, acabo por favorecer esse sector prejudicando o povo em geral, porque está a pagar muito por algo que podia custar muito mais barato.
Para terminar, este acordo, assinado pela Argentina do presidente Maurício Macri, seria possível quando governavam os Kirchner, primeiro Nestor e depois Cristina, a sua viúva?
Creio que sim, era. Se analisarmos as declarações com alguns anos, dos que protagonizavam as negociações, vemos que quem estava no governo dizia que era bom e é agora, por estar na oposição, que ser mau. Mas tenho que relembrar que este tratado foi assinado após 20 anos de conversações e negociações. Claro que para se chegar a um entendimento, foi preciso que cada um e todos deixarem cair alguma pretensão antes vista como essencial. Também na Europa há vozes discordantes. O próprio presidente Emmanuel Macron disse que se neste momento tivesse de ser levado ao parlamento francês talvez houvesse algum desgosto. O Uruguai já respaldou o acordo, e tratasse de um país governado à esquerda, O Paraguai também o fez com entusiasmo. E creio que a liderança que o presidente Macri teve em todo este processo resulta de uma visão não ideológica, mas sim da sua busca de onde está o futuro dos povos.