O mealheiro ajuda a poupar, mas gerir dinheiro é essencial
Isabel Costa e o marido, Gonçalo, sempre procuraram passar a ideia deque a poupança é essencial. Sobretudo numa família com três crianças. Desde cedo tiveram mealheiro e até têm contas poupança em bancos, o fruto dos presentes dos batizados. No mundo consumista atual é preciso ir mais além. "As duas mais velhas, a Francisca tem 10 anos, a Constança 9, já obrigam a ter cuidado. Nas idas ao supermercado aproveito para elas perceberem os preços das coisas e até fazerem escolhas em função disso."
As poupanças das crianças, ou, de forma mais prática, a forma de os mais novos se relacionarem com o dinheiro, são hoje uma preocupação, por isso a família Costa, residente em Odivelas, sabe que a educação é decisiva. Isabel diz que Francisca e Constança "perdem-se" em feiras do livro e sente necessidade de explicar que as compras têm de ser selecionadas. As duas têm mealheiros, que crescem sobretudo "na Páscoa, no Natal e nos aniversários". Assim, diz a mãe, "juntam os seus trocos, que podem depois usar".
Isabel e Gonçalo não dão semanada às filhas. "Ainda não é necessário. Para a escola levam comida de casa e damos dinheiro quando necessitam para algo específico", explica a mãe, orgulhosa, ainda assim, "da crescente noção que vão ganhando" da importância de poupar. "Já guardam com objetivos." Isabel Costa, 43 anos, viveu uma infância diferente a este nível. Diz esta sócia da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas que nunca teve mealheiro, por ter crescido numa "família muito modesta", em que nunca houve semanada. "Mas tínhamos noção da importância do dinheiro e, como era pouco, não o desperdiçar. Hoje é diferente. Não existia tanta oferta de produtos e publicidade para as crianças como agora."
A experiência de levar os filhos ao supermercado é tida como um bom exemplo para Beatriz Pereira, investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho. "Permite mostrar à criança como dois objetos parecidos têm custos diferentes. Vai ter noção da quantidade e do valor e tem de fazer opções", aponta. Fazer opções é essencial na idade infantil. "Para fazer poupança é preciso fazer escolhas. Mas essa educação deve ser introduzida de forma natural."
A educação das famílias
O problema é que muitas vezes as famílias não estão preparadas para essa educação. "Nem sempre têm essa noção, sobretudo as que vivem com maiores dificuldades económicas. Se tomam o pequeno-almoço no café e gastam cinco euros, devem perceber que a mesma quantia dava para uma semana de pequenos-almoços em casa", exemplifica Beatriz Pereira. As crianças seguem o exemplo dos mais velhos, daí que a educação financeira seja influenciada pelo comportamento dos pais e dos irmãos.
O mealheiro e as recompensas pelo concretizar de objetivos são instrumentos que ajudam as crianças a compreender a economia, tal como as semanadas. "As crianças precisam de cometer erros e perceberem a necessidade de controlarem os gastos, para quando chegarem a adultas terem um melhor controlo dos gastos. As semanadas são um bom instrumento", diz Susana Albuquerque, secretária-geral da Associação de Instituições de Crédito Especializado, na qual é coordenadora de Educação Financeira.
Decisivo para a evolução financeira dos mais novos são as regras. "Os pais são essenciais", garante Susana Albuquerque, "e precisam muitas vezes de definir regras que permita ensinar aos filhos como funciona a poupança." As semanadas, ou mesadas, são uma forma de criar regras. "Pode dar um pouco mais de dinheiro do que os gastos previsíveis e ver como eles escolhem onde gastar", aponta a gestora de finanças pessoais, para quem o mealheiro não é o melhor instrumento para a educação financeira. "As crianças precisam de monitorizar o dinheiro, o que gastam, em que gastam , o que poupam. Por isso as semanadas com regras definidas são melhores. E devem, diz, começar cedo. "A ida para a escola primária, aos 5, 7 anos, é o ideal. E a pedagogia deve prosseguir. Até aos 12 anos é melhor a semanada do que a mesada. Nessas idades ainda têm uma noção limitada da gestão do dinheiro. O mês é um prazo longo."
A escrita do mealheiro
A poupança através do mealheiro em forma de porquinho é antiga. Nem se sabe a origem exata, uma das mais aceites é que no século XVI na Inglaterra as pessoas guardavam o dinheiro em potes de argila a que chamavam pygg - pig em inglês significa porco - o que terá determinado o formato dos mealheiros.
Ao longo de gerações os mealheiros foram conhecendo vários formatos e contados em muitas histórias. Continuam a ser referência em termos de educação financeira. Numa edição do Montepio, Francisco Moita Flores publicou o conto O Meu Mealheiro, um incentivo à poupança. "Foi uma espontaneidade que resultou da minha neta ter feito 18 anos e ter acabado com o mealheiro. Foi estudar para o estrangeiro e o mealheiro era o produto das moedas que ela foi lá pondo ao longo da vida", explicou o antigo inspetor da PJ ao DN, convencido de que o conceito de poupança e o uso do mealheiro "passa de pais para filhos e para os netos". "Ensina-nos a poupar e os mais novos percebem o valor do dinheiro. Sabem que se colocarem de lado vão poder usar o dinheiro depois para concretizar os objetivos e sonhos."
Na década de 1960, quando Moita Flores cresceu, "era muito diferente". Ainda se lembra, "embora mal", do mealheiro de criança que "era um pouco tosco e vermelho". O produto dessa poupança é que não esqueceu. "O dinheiro serviu para fazer uma viagem ao estrangeiro, a Lourdes e a Bordéus. Naquele tempo, na década de 1960, não era fácil sair do país e o meu pai ofereceu-me o bilhete de comboio. Tinha o dinheiro para o resto."
Hoje, o mealheiro tem diferentes formatos, com os bancos a terem esse instrumento. "As minhas netas colocam o dinheiro dos mealheiros no banco ao fim do ano. Vai para poupança os frutos do Natal e da Páscoa."Numa vertente mais didática, Elisabete Lourenço, licenciada em Gestão, escreveu Faz Crescer o Teu Mealheiro, um manual para ajudar crianças e pais a gerir o dinheiro e as poupanças. "O interesse veio do espanto com a falta de educação financeira. Não era abordada na escola e, em conversa com amigas com filhos, percebi que era uma lacuna. Muitos miúdos nem sabem o que é uma semanada", disse.
Surgiu o livro e a formação em workshops. "É um manual em que há um trabalho de interação com os pais. Tem a definição de objetivos e o custo, um quadro para entradas e saídas, para fazerem escolhas mais conscientes. Os pais podem dar notas às escolhas e, em função disso, atribuir compensações", diz a consultora financeira, que segue uma abordagem em que o mealheiro clássico não é essencial. "Não é ser contra, mas o dinheiro não está à vista e, em termos de educação financeira, não é eficaz", diz Elisabete Lourenço, 39 anos, que teve um mealheiro em criança. "Não é na escola que se aprende a poupar. Tem de ser na família."