O mar morto

Publicado a
Atualizado a

Enquanto na semana passada, em Estrasburgo, o Parlamento Europeu (PE) assinalava um momento de esperança para a política europeia de migrações, formava-se uma nova tempestade de desespero e morte no Mediterrâneo.

Um barco carregado de centenas de migrantes e refugiados navegava a caminho da Europa. São vidas de desespero, onde a miséria profunda nos seus países de origem as empurra a escolher o perigo mortal das águas do Mediterrâneo, tal como bem recordou Roberta Metsola, presidente do PE, na sua visita recente à Assembleia da República.

Um relato de desespero, de um barco demasiado cheio de ganância dos traficantes: a água e a comida que acabavam, o motor que deixava de funcionar, as autoridades pouco sensíveis nos países europeus, os apelos de ajuda respondidos de modo insuficiente. No fim, são famílias inteiras - com muitas crianças - todas perdidas no mar.

Tal como fomos solidários com os milhões de ucranianos que fugiram da guerra, temos de ser capazes de ser solidários com os sírios, sudaneses e tantos outros que fogem igualmente da guerra, da seca e da miséria extrema. Solidariedade para com um refugiado que tudo perdeu na sua vida, salvar um ser humano em perigo no mar: eis o que se exige a quem vive no conforto desta Europa.

A esperança de que tal se possa tornar realidade vem do pacto das migrações. Não resolverá tudo, longe disso, não será a vacina definitiva contra a xenofobia, mas será uma ajuda importante.

As migrações são normais, acontecem desde que vivemos em sociedade. E o continente europeu está envelhecido, precisamos de migrantes como parte do nosso desenvolvimento. Gerir as migrações não pode significar recusar ajuda no mar, criar campos de refugiados com condições miseráveis numa qualquer ilha europeia, ou externalizar o problema para ditadores e regimes falhados nas nossas fronteiras, onde nem um pingo de humanidade resta, quanto mais instituições que funcionem.

Gerir as migrações implica trabalho com os países de origem, sim, mas também inclusão e humanismo nos países de destino, assim como solidariedade em toda a União Europeia, repartindo responsabilidades entre os 27 estados-membros, e não apenas nos países de fronteira.

Se o PPE, grupo europeu do PSD e do CDS, não rasgar os compromissos já assumidos na discussão parlamentar, cedendo novamente à agenda da extrema-direita, conseguiremos ainda neste mandato reformar a legislação europeia, trazendo mais solidariedade onde ela tanto tem faltado.

A Europa não pode falhar. Mas, para isso, não podemos ser complacentes com os que recusam a solidariedade, quer estejam nas fronteiras externas, quer no interior do continente.

Aos europeus exige-se que este tema não caia no esquecimento coletivo. Faltam, desta vez, as imagens chocantes e comoventes, porque nenhuma daquelas crianças veio a ser encontrada nalguma praia europeia. Estão todas silenciadas no Mediterrâneo profundo. Mas a dor não a podemos esconder, a revolta não a podemos calar.

P.S. - À hora a que escrevo, numa luta contra o tempo, numerosos navios, aviões e submarinos procuram no meio do Atlântico um pequeno submarino que desapareceu com cinco milionários. Oxalá o encontrem a tempo. A desproporção dos meios empregues não podia ser mais gritante. Não, as vidas humanas não têm o mesmo valor. Sei que é o mundo que temos, mas não somos obrigados a resignar-nos.

Portugal, antecipando-se ao trabalho a nível europeu, já começou a implementar medidas para garantir que os estágios profissionais são pagos. É uma resposta concreta a uma das principais razões de queixa (há muitos anos) entre os jovens que entram no mercado de trabalho. Estamos no rumo certo!

Eurodeputado

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt