"O maior escritor do nosso tempo"
Em Junho de 2018, a Sociedade de Geografia de Lisboa acolheu a terceira conferência da John Dos Passos Society, à qual o Diário de Notícias prestou particular atenção. Um dos painéis foi dedicado à presença deste autor nos planos de estudo das instituições universitárias por esse mundo fora, nos Estados Unidos em particular. Durante a troca de experiências radicadas em contextos muito distintos, foi identificado o exemplo português, no qual, após uma já remota presença em cursos de licenciatura, a obra de Dos Passos foi mais recentemente objecto de investigação em vários projectos de doutoramento.
Serão várias as razões que levam à sua convocação num âmbito académico mais avançado - o da investigação, algumas das quais, paradoxalmente, decorrem da sua exaltação inicial na primeira metade do século XX; recordemos a eufórica celebração de Jean-Paul Sartre: "O maior escritor do nosso tempo."
Com efeito, as narrativas que consagraram John Dos Passos como um vulto maior do modernismo literário evidenciam o profundo diálogo nelas existentes entre diferentes formas de expressão estética, do cinema então emergente à pintura cubista, por exemplo, através das quais se constrói um discurso épico, curiosamente devedor da poesia de Walt Whitman.
A coabitação no espaço textual de gramáticas distintas exige que o leitor tenha com estas uma familiaridade mínima, algo que, admita-se, não estará ao alcance da generalidade dos estudantes de um primeiro ciclo académico, mas que poderá ser estimulante para quem se encontra já numa fase de investigação mais aprofundada.
Para argumentar sobre as razões de um certo esquecimento da obra de Dos Passos, talvez se possa dizer dever-se este a uma questão de moda, e sabemos quão permeáveis as instituições podem sê-lo a este nível; podemos falar também da sua posição quanto aos campos em conflito durante a Guerra Civil Espanhola, que o fez distanciar-se daquele que era o seu grande amigo, Ernest Hemingway; podemos falar do seu conservadorismo ulterior, e sabemos como as universidades americanas se revelam hoje pouco amistosas para com aqueles que não se identificam com os radicalismos dominantes.
De uma coisa não tenho dúvidas, cinquenta anos após a morte de Dos - como familiarmente o tratava Hemingway -, quem quiser conhecer a profunda reformulação que o romance conheceu durante o modernismo tem necessariamente de ler e reler Manhattan Transfer e USA.
Afinal, ele pode não ter sido "o maior escritor do nosso tempo", mas foi certamente um dos maiores.
* Professor catedrático de Estudo Ingleses e Americanos
Escreve de acordo com a antiga ortografia.