O Magrebe russo
Primeiro é preciso situar no tempo e no espaço o início da última investida russa na Região MENA, Middle East & North Africa. Daí a importância e investimento russo na Síria e na Líbia, no decorrer da ressaca da Primavera Árabe, oportunidade para os pesos-pesados das relações internacionais se afirmarem regionalmente, prolongando rivalidades, reafirmando fidelidades, prospectivando realizações hegemónicas em aliança. A Síria de 2015, embrulhada numa "guerra civil internacional", vê Putin ir em socorro da família Assad, o aliado de sempre. Em 2016, aproveitando umas "meias-tintas" da administração Obama relativamente à frente que o general Sissi no Egipto fazia a Mohamed Morsi e à Irmandade Muçulmana, a Rússia alia-se a um Sissi necessitado de se afirmar perante o país enquanto vencedor face aos islamistas, no campo interno e no plano internacional derrotando a Turquia na Líbia, cenário desta guerra , cujo momento mais claro do fel entre Erdogan e o general egípcio foi quando decidiram dar ordens para interromperem de imediato, a transmissão de todas as novelas turcas no Egipto e vice-versa! Por outro lado, a Rússia prolongaria na Líbia a frente que estava a combater na Síria contra a Turquia.
De novo para situar no espaço, o Egipto não é Magrebe, é norte de África. Em 2019, o MNE russo, Sergey Lavrov, efectuou o seu primeiro périplo do ano, precisamente passando por Argel, Rabat e Tunes. Com a sua aliada Argélia, vale a pena destacar um episódio sobre sanções e o efeito boomerang das mesmas. Em 2014 a Rússia passou a sofrer sanções internacionais após a anexação da Crimeia, o que a levou a procurar outros mercados. A França, principal fornecedor de cereais da Argélia, teve uma má colheita em 2016. A partir desse ano os russos comprometeram-se a aprovisionar em exclusivo todo o mercado argelino, mantendo esse estatuto. Esta mudança é conveniente a ambas as partes, já que é importante para a Argélia demonstrar a si própria e ao ex-colonizador, que se emancipa cada vez mais, enquanto alivia também a balança de pagamentos.
O sector agrícola é estratégico no eixo Magrebe-Moscovo e em ambos os sentidos. A Tunísia abre uma Câmara de Comércio com a Rússia em 2015 e abre-se-lhe um mercado russo ávido por provar ao Ocidente que tem alternativas, já que em resposta ao embargo também não comprava nada à Europa e América. Os tunisinos fornecem-lhes citrinos, precisamente o produto que faz dos marroquinos os maiores fornecedores do mercado russo. Projectavam-se, nesse mundo de paz perpétua linhas marítimas entre Tunes e a Crimeia!
À parte da agricultura e doutras dependências, a questão saraui, mais do que em cima da mesa, apresenta-se como "o elefante no Magrebe"! Moscovo também pesca nas águas do Sara, por via de acordo de pescas com Rabat e precisa de garantir este abastecimento. Ou seja a Rússia, herdeira do estandarte soviético da libertação dos povos, não reconhece a República Árabe Saraui Democrática enquanto país independente, apesar da sua relação umbilical (da Rússia) com a Argélia. Do mesmo modo, Marrocos não esteve presente na votação da Assembleia Geral da ONU, do início de março, que exigia a retirada dos russos da Ucrânia. Ou seja, o rei sinaliza a Biden que o assinado com Trump no que se refere ao Sara marroquino é para manter. Caso contrário, facilmente se troca um membro permanente do Conselho de Segurança por outro e ainda se mantém o voto da França/UE como plano B.
Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia