O lugar da cultura

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A indexação dos orçamentos da Cinemateca Portuguesa e do Instituto do Cinema e Audiovisual às receitas provenientes da taxa sobre a publicidade exibida na televisão é um erro de conceito.

Que o dinheiro para a preservação do cinema de qualidade - tanto no que diz respeito à produção como no que diz respeito à musificação e à exibição especializada - venha dali, das verbas que esses malandros desses capitalistas gastam na promoção dos seus malandros produtos, não me parece especialmente chocante, desde logo pela necessidade que continuamos a sentir (e que sentimos por esta altura com especial acuidade) de ajustar contas com aqueles que entendemos como ricos e poderosos.

Mas essa preservação, e nomeadamente no que diz respeito às atividades da Cinemateca, tem um custo independente das flutuações da economia. Mais: fases de depressão económica, outrora criativa e artisticamente pujantes, parecem agora deixar a arte bastante frágil perante esse simulacro de cultura popular que são os esforços da programação televisiva para a reconquista sumária de audiências e de anunciantes, e que queimam tudo o que se dispersa à sua volta, inclusive neurónios.

Momentos como este, no fundo, exigem mais investimento. Produtoras independentes vão à falência, o público está algures em parte incerta, qualquer subproduto com sotaque tex-mex entra por aqui dentro como em Domingo de Ramos - o trabalho da Cinemateca e do ICA torna-se ainda mais hercúleo. Deixá-lo em exclusivo nas mãos da agências de publicidade é um disparate.

Como começa a ser um insulto o argumento de que não há dinheiro para a cultura. Que povo seremos nós, afinal, ao fim deste intolerável tempo?

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