O lobisomem mais famoso de Espanha
Já houve um lobisomem que foi condecorado por um rei. Não é coisa de contos de fadas nem de história de terror. Bem, diga- -se em abono da verdade que não foi propriamente a um lobisomem que, em 2001, o Rei Juan Carlos de Espanha entregou a Medalha de Ouro de Mérito das Belas Artes, mas foi o mais perto que a distinção andou de uma tal criatura.
Quem a recebeu foi Paul Naschy, nome artístico de Jacinto Molina, que morreu aqui há uns dias em Madrid, com 75 anos (e não de uma bala de prata no coração), e que se celebrizou - pelo menos entre a legião de amantes de tudo que é fantástico e terror - na pele (ou no pelo) do lobisomem Waldemar Daninsky, numa dúzia de filmes do género, feitos entre finais dos anos 60 e 2003 (é o campeão mundial de interpretações do Homem-Lobo, batendo à distância Lon Chaney Jr.).
Também argumentista e realizador, licenciado em Arquitectura, várias vezes campeão de Espanha de halterofilismo e autor de documentários culturais sobre o Museu do Prado ou o Escorial, entre outros, Paul Naschy, além de ser uma indústria de um homem só, e do género fantástico, no cinema espanhol, foi sempre um realizador independente, já que se opunha à política de subsídios estatais ao cinema. "Um cineasta tem que se safar sozinho", dizia.
E Naschy, que deve o seu nome de tela ao distribuidor alemão dos seus filmes, que achava que Jacinto Molina não tinha suficiente cachet para um tipo que fazia de licantropo (e que interpretou vários outros monstros, humanos ou não), sempre conseguiu safar-se, melhor ou pior, ao longo de quase meio século de trabalho e de mais de 150 filmes.
Admirado por Quentin Tarantino, de quem era amigo, e aplaudido nos EUA, Europa e Japão, Paul Naschy nunca teve grande reconhecimento institucional em Espanha, nem do seu establishment cinematográfico, apesar de ser uma muito querida figura de culto entre os cinéfilos do fantástico. Nos EUA, entrou no Hall of Fame do cinema fantástico e de terror, e recebeu o prémio Carl Laemmle em muito boa companhia, a de Roger Corman e Janet Leigh.
Na Europa, festivais como o de Sitges e de Bruxelas celebraram--no. Apesar de estarmos mesmo aqui ao lado, os seus filmes pouco foram vistos em Portugal, mas o actor foi devidamente homenageado no Fantasporto. Estava a correr na Internet um movimento de admiradores de Paul Naschy e, para que ele fosse distinguido com um prémio Goya de carreira. Agora, só se for póstumo.
Monstro de filmes feitos com orçamento de cinto apertado, o licantropo de Paul Naschy tinha a poesia artesanal, sombria e fatalista dos seus primos americanos da Universal. Conta o actor que Quentin Tarantino, após ver um dos filmes da série, La Marca del Hombre Lobo, gabou-lhe a escolha da "floresta húngara" para a rodagem. Naschy respondeu-lhe que não tinha dinheiro para esses luxos. O lobisomem Waldemar Daninsky andava a uivar era por um bosquezinho dos arredores de Madrid.