O líder que acredita que o ensino superior "é uma súper droga", sem contraindicações
Sereno, observador e de sorriso aberto, Pedro Oliveira entra no Azure para uma refeição rápida. No restaurante da Nova SBE, a vista para o mar é soberba e traz inspiração suficiente para uma viagem entre Portugal e o Norte da Europa. Depressa viajamos da mesa-redonda, com vista para a praia e o Forte de São Julião da Barra, em Carcavelos, para os fiordes que ligam a Dinamarca à Noruega. A influência nórdica é notória no discurso e forma de estar do recém-empossado Dean da Nova School of Business & Economics (Nova SBE), Pedro Oliveira.
Mas já lá vamos. Antes de conhecer o seu pensamento sobre o Ensino Superior ou o seu percurso fora de Portugal, ainda mal nos tínhamos sentado e cruza-se connosco Daniel Traça, o ex-Dean e que liderou a escola nos últimos oito anos. Pedro Oliveira reconhece que depois de uma liderança forte à frente da escola, e de muito trabalho concretizado, são muitas as expectativas que recaem sobre si para continuar a surpreender e a lutar pelo topo nos rankings nacionais e internacionais.
Pedro Oliveira está bem munido de ferramentas e experiências para dar conta do recado. Foi professor de Inovação na Copenhagen Business School na Dinamarca, professor convidado no MIT Sloan School of Management, nos EUA, e é professor catedrático na Nova SBE, onde detém a Cátedra da Fundação Calouste Gulbenkian para a Economia de Impacto. Foi também fundador da iniciativa Patient Innovation. É doutorado em Gestão de Operações, Tecnologia e Inovação pela Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e obteve o mestrado em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas, bem como a licenciatura em Engenharia Naval, pelo Instituto Superior Técnico.
Destacam-se ainda no currículo os programas de formação avançada em que participou na Harvard Business School, na Kellogg School of Management, na MIT Sloan School of Management, na Norwegian University of Science and Technology e na KTH Royal Institute of Technology em Estocolmo.
Na Nova SBE já era diretor académico do mestrado em Empreendedorismo de Impacto e Inovação e fundador e diretor académico do mais recente Centro de Conhecimento da escola em Open and User Innovation. É ainda Academic Scholar no Institute for Healthy Futures da Universidade de Cornell (EUA).
Os seus interesses vão para além das paredes da universidade e numa vertente não-académica é presidente da Patient Innovation, cofundador do PPL Crowdfunding e membro do Conselho para o Ambiente e Sustentabilidade da EDP - Energias de Portugal, funções todas elas não-remuneradas.
Viveu fora 20 anos, os cinco últimos a trabalhar e residir em Copenhaga quando foi caçado para Lisboa. Tem um mandato de quatro anos na Nova SBE, a terminar em dezembro de 2026, e quer que a universidade continue a marcar a agenda. Prepara-se para inaugurar novos institutos dentro do campus. Mas aquele que já está a marcar o seu mandato é o Instituto de Políticas Públicas. Tornou a sua intenção pública e, desde então, recebeu "imensas mensagens de apoio e com várias áreas sugeridas, porque muitas pessoas consideram que a tomada de decisão de políticas públicas em Portugal não é baseada em conhecimento e investigação, mas apenas baseada em política. Vejo que as pessoas estão preocupadas em ter um Governo mais baseado em ciência e menos em ideologia. E, por isso, da parte dos cidadãos houve já um forte interesse em saber mais acerca deste instituto, e do lado dos partidos foram, sobretudo, os do bloco central ou do arco da governação que manifestaram maior interesse".
A ideia "reuniu um entusiasmo surpreendente e é mesmo para avançar e estamos a explorar colaborações com escolas líderes mundiais como a Kennedy School of Government da Universidade de Harvard seja o nosso parceiro". O instituto focará em áreas como é o caso do desenvolvimento económico, demografia, migrações, trade.
Pedro recorda que quando chegou à Dinamarca recebeu um "convite para ir falar ao Parlamento sobre a área da Saúde". Era um desconhecido, mas encontraram-me na net, falámos ao telefone e lá fui eu. Em Portugal, falta esta ligação."
Outro instituto que o Dean quer criar "será dedicado à sustentabilidade", debruçando-se sobre temáticas como "negócios responsáveis, impacto social, alterações climáticas, ambiente, clima e transição energética", conta. No âmbito de uma parceria com o Instituto das Nações Unidas para a Formação e Investigação (UNITAR), inaugurou na Nova SBE o primeiro Centro Internacional de Formação para Autoridades e Líderes (CIFAL) no âmbito do instituto de sustentabilidade.
Outro tema que privilegia é o impacto na Educação e do Ensino Superior no desenvolvimento, área onde a escola tem também um Centro de Conhecimento. A esse respeito questiona: "E se houvesse uma "droga" que prolongasse a vida, tornasse as pessoas mais felizes, saudáveis e ricas, e até fortalecesse os relacionamentos?" E responde "A boa notícia é que essa droga existe. É o Ensino Superior."
"É uma súper droga ao nosso alcance e sem contra indicações", brinca "Sempre andei em escolas públicas e acredito que o ensino é uma súper droga e deve ser acessível a todos", sendo essa uma das principais prioridades do seu mandato: garantir que a Nova SBE é uma escola aberta, inclusiva e acessível a todos. Para que ninguém fique de fora "damos bolsas a alunos com necessidades graças às propinas que cobramos. Este ano vamos dar mais de 400 bolsas a alunos com necessidades financeiras, em relação ao ano passado trata-se de um aumento de 45%. No total, são mais de 2 milhões de euros para apoiar alunos que têm necessidades e assim garantimos que todos os candidatos com mérito académico podem estudar na Nova SBE". Outra preocupação foi aumentar "as chamadas bolsas de continuidade, ou seja, que apoiam quem quer passar da licenciatura para mestrado". Em suma, "podermos cobrar propinas a alunos estrangeiros também ajuda a equilibrar as contas e dar bolsas".
A sustentabilidade é indissociável da Educação. "Isso implica investimento público, mas também implica que deixam universidades fazer coisas, que não tomem decisões que prejudiquem as instituições", alerta. E dá o exemplo de uma eventual má decisão: "Limitar as propinas seria um risco do ponto de vista do financiamento e não se democratizaria tanto o ensino", sublinha, de novo numa referência velada às muitas centenas de bolsas que só são possíveis graças às propinas cobradas.
A inovação, dados e Inteligência Artificial (IA) são outras das áreas que estão em estudo para dar vida a novos institutos.
A área da IA também será marcante ao longo desta missão de quatro anos. Pedro lembra que "há quem diga que é muito mais inteligente ter conversas com o ChatGPT do que com algumas pessoas". Em jeito de brincadeira, mas falando a sério, está atento à evolução, sabe que é uma oportunidade e não vale a pena parar o vento com as mãos em termos educativos, mas também está atento aos alunos que pura e simplesmente copiam do Chat- GPT as respostas. Admite que o ChatGPT é um "desafio" para as universidades e "põe em causa muitas profissões", dos professores aos jornalistas.
O Dean admite que o ChatGPT está a causar um grande impacto em muitas indústrias e o ensino não é exceção. Há um desenvolvimento incrível por trás de toda a tecnologia, mas, admite que também levanta dúvidas. A revolução já começou e vai tornar ainda mais exigente avaliar professores e alunos. Vai ser cada vez mais complicado saber se determinado conhecimento "é original ou se foi uma máquina que o produziu", alerta. Considera que esse possa ser mesmo o principal desafio para as instituições de Ensino Superior. E lembra que na Dinamarca, onde viveu, a tendência é que os exames passem a ser cada vez mais baseados em orais, em vez de escritos. Proibir o acesso à tecnologia seria um péssimo caminho, portanto há que lidar com isso e tirar o melhor partido possível para todas as partes. Hoje é aceitável que, antes de se escrever um artigo ou uma tese, se façam pesquisas na internet, o próximo nível é no ChatGPT.
Da saúde à mobilidade, tudo tem Inteligência Artificial. Aos comandos desde 19 de janeiro, Pedro ainda não tem um robot que o ajude ou substitua, por isso tem de se desdobrar em mil e uma tarefas e funções de representação dentro e fora do campus de Carcavelos.
Foi eleito por unanimidade e sabe que todos os olhos estão depositados nele. Quer "trabalhar com a equipa" para envolver todos e tem a ambição de "consolidar o crescimento" da escola, "afirmar a qualidade" e estabelecer parcerias nacionais e internacionais que fortaleçam a Nova SBE. Além disso, quer tornar a escola "cada vez mais internacional. Em setembro vamos receber 22 professores, dos quais 21 são estrangeiros, só um é português e tem carreira lá fora. Vieram cá cerca de 130 para serem escolhidos pouco mais de duas dezenas. Essa exposição ajuda a criar diversidade cultural, religiosa, étnica. Este é o maior grupo de professores estrangeiros de sempre". Pedro envolve-se nos recrutamentos, sempre que possível, e dá atenção ao equilíbrio entre homens e mulheres. Aliás, "fator que pontua também nos ran- kings internacionais, como o do Financial Times".
Enquanto a Nova SBE procura diversidade, outras escolas em Portugal continuam a ter uma média de 30% de professores doutorados na própria instituição e há ainda aquelas em que esse número é 100%, continuando fechadas sobre si próprias.
De Copenhaga, Pedro, 51 anos, traz várias aprendizagens, uma delas a do "planeamento nórdico e que faz a grande diferença. Quando fui a primeira vez à Dinamarca, o meu colega andava a mostrar-me o edifício da universidade e, a certa altura, para no quarto piso e olha cá para baixo para o chão do átrio e conta que "as obras do edifício acabaram antes do prazo e sobrou dinheiro. Então, pedimos a um artista para nos fazer o chão, com o efeito do Ártico em negativo". Uma história nunca vista em Portugal ou então talvez os dinamarqueses não conheçam bem o significado exato de "atraso" ou "derrapagem"."
O líder do campus de Carcavelos veio ainda munido de um sentido prático, despretensioso e menos doutoral do que aquele que reina numa boa parte do corporativismo académico em Portugal, onde "o senhor doutor" ainda é, tantas vezes, mais importante do que o nome próprio. "Esse é um choque no regresso a casa. Em Portugal, a hierarquia é pior do que na Dinamarca e cá as pessoas não confiam umas nas outras. Por exemplo, em Copenhaga tinha um cartão que abria todas as salas e gabinetes da universidade, cá isso parece ser impensável", exclama. "A sociedade é também muito mais transparente. Por exemplo, na Dinamarca existe sempre a obrigação de comunicar publicamente quando se começa a colaborar com uma empresa ou entidade, o habitual é colocar essa informação logo na internet e assim fica público", conta.
O outro choque prende-se com o custo de vida em Lisboa. "Eu quando vivia em Portugal e fui para a Dinamarca fiz a viagem com a sensação de que iria viver numa das cidades mais caras do mundo. Comecei a fazer contas! Mas hoje concluo que o custo de vida em Portugal é que é muito elevado e a percentagem do salário que vai pagar a renda da casa é também muito elevada".
Outra grande diferença prende-se com a relação dos cidadãos com o fisco. "Na Dinamarca as pessoas gostam do modelo fiscal porque o Estado é generoso. Gosto muito de pagar impostos na Dinamarca porque sei que o retorno compensa, desde o apoio às famílias até à Educação, em que quase tudo é gratuito. As minhas duas filhas (hoje com 19 e 17 anos. E tem ainda um menino de 11) tinham subsídio dado pelo Governo dinamarquês, é o normal. Já em Portugal não se fica com essa sensação de que vale a pena pagar impostos".
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