O lado negro de Robin Williams volta a atacar
Não é que os papéis sérios e negros sejam uma originalidade na carreira de Robin Williams, mas num curto espaço de tempo ele distribuiu maldades, sofrimentos e desequilíbrios mentais por vários filmes, ao mesmo tempo que deixou a sua costela cómica em pousio. A crítica aplaudiu o serial killer que compôs para Insomnia, de Chris Nolan, tal como aplaudiu o seu empregado de loja perturbado em One Hour Photo, de Mark Romanek. Agora ele volta, outra vez sério e cabisbaixo, em The Final Cut - A Última Memória, obra do estreante Omar Naim que hoje se estreia em Portugal (ver crítica na caixa ao lado).
Williams, contudo, garante que esta série de papéis dramáticos não passa de uma mera coincidência "Juro que não ando a enviar notinhas para os argumentistas a dizer 'por favor, mandem-me unicamente histórias negras, assinado, Robin Williams'", ironiza ele num luxuoso quarto de hotel no centro de Berlim. "Escolhi fazer este filme simplesmente porque me pareceu o material mais interessante que tinha entre mãos. Não ando por aí a dizer: 'Eu quero ser mau.' Calhou assim."
Aliás, manda a verdade dizer que ainda vai uma boa distância entre os filmes de Nolan e Romanek - onde Williams aparecia controlado, sem esgares nem incontinência verbal - e aquilo que se pode ver em The Final Cut. Da mesma forma que o Williams cómico pareceu evoluir, com o correr dos anos, até ao absoluto desregramento humorístico, também o Williams dramático parece já estar tomado de tiques e trejeitos no desastradíssimo filme de Naim.
É assim em vez de pantomimas temos agora olhares penetrantes e músculos congelados, como se Robin fosse uma múmia fascinada pelo Actor's Studio. A coisa não resulta, claro, mas o prestígio alcançado pelo Williams sério de Insomnia ou One Hour Photo foi suficiente para o Festival de Berlim, na sua edição de 2004, acolher The Final Cut em competição e levar até à capital alemã o actor americano, para promover o filme e conversar com jornalistas.
a entrevista. Robin Williams é um homem simpático, e quando no início deste texto se disse que a sua costela cómica se encontrava em pousio, o comentário referia-se exclusivamente à costela que mostra nos filmes - porque ao vivo, numa mesa com uma dúzia de jornalistas, não há pingo de seriedade, e Williams desmultiplica-se em piadas, imita vozes e compõe uma stand-up comedy privada. É a sua forma de fazer charme, e quem o ouve fica tão embrenhado na performance que o filme que ali o traz acaba por ser apenas uma desculpa para a conversa. The Final Cut? Ninguém quer saber.
A única coisa que se lhe tira de mais próximo do filme é o porquê de tantos jovens realizadores o procurarem para papéis dramáticos. Williams aponta duas razões. Em primeiro lugar, porque "os realizadores de filmes dramáticos gostam muito de trabalhar com actores cómicos, já que eles não têm medo de nada. É um facto. Nós já fizemos de tudo para tentarmos ser engraçados." Em segundo lugar - eis o pragmatismo americano no seu esplendor -, porque "se eu aceitar o papel eles conseguem dinheiro para fazer o filme. Foi o que aconteceu com One Hour Photo. A minha presença ajuda a vender um projecto e a encontrar financiamento, e hoje em dia tentar fazer um pequeno filme é a mais difícil das tarefas."
E pronto, acaba-se a conversa sobre The Final Cut, e é tempo da persona Robin Williams abrir a alma sobre assuntos tão variados como a família, o Iraque, a dependência das drogas e do álcool até ao princípio dos anos 80 (largou tudo quando nasceu o primeiro filho) ou o envelhecimento - parece que sentiu o peso da idade ao lado de Mira Sorvino, com quem contracena no filme. "Ela é muito boa, a versão feminina de Jeff Bridges, tão natural que consegue ser. E pude beijá-la", suspira o actor. "É pena já estar velho para papéis românticos. O melhor que me podia acontecer neste momento era fazer o Lolita com a Scarlett Johansson." Chamem-lhe parvo.