O jogo perverso de Isabelle Huppert
Não é fácil encontrar um adjetivo pleno e justo para descrever a arte de Isabelle Huppert, uma das atrizes francesas que melhor conserva, ativamente, a sua identidade nos mundos diversos de cada filme em que entra. É o chamado ser "igual a ela própria", na enorme subtileza de se transformar noutra, dentro das fronteiras da sua personalidade. Talvez por isso o título do filme de Paul Verhoeven seja tão perspicaz: Ela. Simplesmente, ela. Essa atriz que cresceu - não só, mas particularmente - no pragmatismo e perversidade do cinema de Claude Chabrol, e aí estabeleceu uma sublinhada presença diante da câmara, como se tivesse para sempre nas mãos a caçadeira que empunha na derradeira cena de A Cerimónia (1995). Desta impressiva postura dominante se faz também, na essência, o novo filme do realizador holandês, que coloca a protagonista, sozinha e de modo deliberado, no encalço do homem que a violou... uma violação que marca o primeiro plano de Ela, e instala o jogo perverso que configura toda a narrativa.
Aos 63 anos, Huppert não faz da maturidade um posto, e a carga sexual dos papéis da sua juventude está-lhe, de algum modo, intacta no rosto e no corpo. Trata-se de uma liberdade de "ser", que se confunde com o talhe da ficção. Ela não é um símbolo instalado da sua própria memória cinematográfica, mas uma chama bem viva, que não se deixa apagar sob o comando de um realizador. E é aqui que a pergunta se impõe: recordaremos Elle, um dos filmes do ano, pela assinatura de Verhoeven? A provocação e o traço impulsivo do seu cinema estão lá, sem dúvida, mas é a Huppert que a ordem da ação e do mistério se submete, por reverência ao seu arrojo performativo, com um muito peculiar toque de comédia. A maravilha de Ela está aí, e o principal argumento é a pulsão de um corpo singular. O dela.
Crítica