O João: Terrorismo, Alarme Social e o Crime que, a final, não cometeu

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Sabemos, que um jovem de 18 ou 19 anos, estudante universitário, terá planeado (ao que parece com pormenor), um crime violento, através do qual iria potencialmente tentar matar muitos colegas e, no final, cometer suicídio. Foram encontradas armas brancas e explosivos ("Garrafas de gás e gasolina, facas, catanas, uma besta") que foi reunindo para o ataque que premeditava realizar na segunda-feira. Nesse dia esteve na Universidade, não cometeu o crime, voltou para casa e, ao que terá sido apurado pela Polícia Judiciária, preparava-se novamente para o executar, esta sexta-feira.

Estes casos (e suas tentativas) não são novos, todavia, num país, que se faz valer da ideia de que "somos um país de brandos costumes" e com baixos índices de crime violento, este tipo de acontecimentos, têm um grande impacto na opinião pública.

Um jovem, ao que se sabe sem antecedentes criminais, "fechado" no seu quarto, utilizando as redes sociais como suporte, arquitetou um plano, através do qual seria cometido um crime brutal contra pessoas.

Apesar de, a maioria de nós, não conhecer o João, muito se tem escrito e falado, nos últimos dias, sobre este jovem rapaz.

Em alguns casos, o diagnóstico que terá de vir a ser realizado - para efeitos criminais ou terapêuticos - com distanciamento, objetividade e com o imprescindível contacto com o sujeito, foi substituído por uma análise sumária, "em direto", onde a necessidade de transmitir certezas imediatas, substituiu a análise científica e técnica pelo "palpite", mais ou menos esclarecido. Enquanto profissionais de saúde, com o poder que nos é dado pelos media de influenciar outros atores sociais (nomeadamente a opinião pública), o que podemos e devemos afirmar, é que não conhecemos o João. Não, não existe um perfil em Portugal onde possamos encaixar este jovem.

Não conhecemos o estado da sua saúde mental, nem a sua estrutura ou traços de personalidade, nem a sua história de vida, nem o que poderá ter espoletado esta situação... simplesmente não sabemos.

E nem a eventual (boa) intenção de dar ao público a segurança de uma resposta, justifica o abandono dos mais elementares princípios do diagnóstico e da prudência científica. Respostas assim, apenas contribuem para o sensacionalismo ou, na melhor das hipóteses, criam uma errada sensação de certeza.

E, era possível dar contributos válidos, sem cair em tais extremos. Podem os profissionais de saúde e de outras áreas refletir sobre outros casos, que "aparentemente" podem ter pontos em comum. É até possível falar sobre outros jovens que cometeram este tipo de crime, apenas e quando, em relação a estes, se obtiveram informações credíveis e cientificamente alicerçadas.

É legitimo - desde que tal seja feito com o rigor crítico - referir que alguns jovens que planearam e/ou cometeram este tipo de crime demonstraram ter determinadas

características: pertencer ou não a grupos com ideologias religiosas ou políticas; terem experiências traumáticas ao longo do seu desenvolvimento; serem vítimas de abusos ou de condições sociais que podem ter contribuído para um comportamento agressivo; manifestarem sinais de doença mental ou perturbações da personalidade ou comportamentos antissociais, narcisismo, ausência de empatia ou sadismo. E, note-se que, neste leque de manifestações as possibilidades de diagnóstico são já inúmeras.

Se o que se pretende é dar um contributo útil também no plano preventivo, é possível afirmar, porque a experiência assim o demonstra, que, muitas vezes, estas "vivências internas e externas", são escondidas das famílias, colegas e amigos, mas que podem existir alguns sinais de alerta como, por exemplo, comportamentos obsessivos por armas ou conteúdos violentos, publicação nas redes sociais ou procura de informação sobre ataques ou agressores, comportamentos agressivos ou antissociais, tristeza profunda e persistente, sofrimento psicológico.

Para evitar ampliar o estigma social dos doentes mentais, é sensato afirmar que a doença mental, por si só, não se traduz em comportamentos agressivos ou de violência contra terceiros.

Importa também ponderar sobre a forma como este epifenómeno tem sido tratado nos últimos dias. Desde logo pela polícia que fez um comunicado sobre este caso, negligenciando por completo o impacto que teria na opinião pública. Mas também pelos meios de comunicação que descuram a influência que este tipo de notícias tem sobre a possibilidade de existirem novos casos. Em Portugal, um exemplo deste fenómeno são os crimes que envolvem comportamentos violentos contra mulheres.

Para informar, com o necessário rigor e uma adequada mediação jornalística, é essencial ter em atenção, por exemplo, que o conceito legal de terrorismo, para efeitos penais, não coincide necessariamente com a perceção social generalizada do que é terrorismo. Ou, que uma pessoa [que está] em grande sofrimento psicológico, não tem necessariamente uma perturbação mental. O bem-estar social também se promove combatendo o medo e sensacionalismo com uma comunicação da informação que tenha em conta as suas consequências sobre a realidade.

A análise que tem sido feita sobre o João, através de testemunhos recolhidos e "tão" expostos de familiares, vizinhos e colegas - que se mostram surpresos - acaba por contribuir para este alarme e em nada ajuda as pessoas que lhe estavam próximas, e que, provavelmente, precisam de apoio psicológico, urgente por forma a integrar e minimizar as consequências desta sua realidade.

Apesar ser tarefa difícil e seguramente impopular, é também preciso lembrar que por detrás desta pessoa capaz de planear atos hediondos está, afinal, um miúdo. Esse miúdo (o outro João que também seguramente existe) é já, muito antes de qualquer julgamento, a primeira vítima do "abominável João". E esta realidade não é apagada pelo inevitável dever de julgar, mesmo que nada - nem uma eventual doença - possa vir a atenuar a avaliação jurídica da sua responsabilidade penal.

Psicóloga

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