O irresponsável sonho catalão

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Por muito romântica que possa parecer a ideia de um referendo de autodeterminação da Catalunha, por muito colorida que seja a luta dos catalães e por muito que concordemos com os argumentos de parte dos 7,5 milhões de habitantes daquela comunidade autónoma de Espanha, o ponto essencial da discussão à roda desta consulta popular é que ela está a correr contra a lei, contra as regras do Estado de direito.

Olhemos, por exemplo, para a operação policial na madrugada de ontem. A polícia agiu com o respaldo de um mandado emitido por um juiz de instrução. Mais. A Generalitat e o seu governo conhecem a decisão do Tribunal Constitucional, que declarou o referendo de 1 de outubro ilegal. O governo da Catalunha foi alvo de uma "agressão coordenada" e de uma tentativa de suspender a autonomia? Não. Será uma pena, mas a legitimidade democrática do governo autónomo não se sobrepõe à ordem constitucional de Espanha.

A Catalunha tem um dos PIB per capita mais altos de Espanha, só ultrapassado por Navarra e País Basco. Tem identidade cultural e linguística própria. Tem séculos de história de autogoverno - desde 1359 -, entrecortada por períodos de menor autonomia, algo que recuperou com a democracia e tem vindo a reforçar. Fará sentido falar de Espanha como um estado repressivo e intolerante, como Carles Puigdemont fez ontem? Os catalães têm votado livremente em todas as eleições - nacionais, regionais, locais e europeias - desde 1977 e, que se saiba, Madrid não ativou nenhum dos mecanismos de suspensão da autonomia, nem foram suspensos direitos, liberdades e garantias dos catalães.

Aquilo a que estamos a assistir na Catalunha - lá está, por muito romântica que nos pareça a luta - é a um momento de populismo sem limites, de recurso a argumentos cada vez menos racionais, para exigir de Madrid o impossível. Como qualquer onda populista, esta alimenta-se de descontentamento que, em parte, pouco ou nada terá que ver com autonomia ou desejos de independência. À barragem de discursos inflamados, Rajoy tem respondido com a lei e com total inflexibilidade. Não sei se poderia ser diferente, mas toda esta história começa a parecer demasiado volátil. Fará sentido o referendo, daqui por umas décadas numa Europa federalizada? Talvez. Na União que temos hoje pouco mais é do que um desafio irresponsável e perigoso.

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