O investimento na JMJ e o Ronaldo
Ninguém, perante uma cirurgia, e que seja desconhecedor do assunto se arriscará a opinar sobre o modo como o cirurgião deverá realizar a mesma. Nem ninguém, também desconhecedor, se lembrará de criticar a quantidade de betão e ferro utilizados na construção de um viaduto. Seria no mínimo irresponsável de quem o fizesse e até ridículo.
Por outro lado, também seria despropositado defender que o Estado Português não deveria apoiar eventos como a Web Summit ou a realização de um Europeu ou Mundial de futebol. Seria o mesmo que dizer que o Estado Português não deveria apoiar iniciativas privadas, movidas pelo interesse do lucro e que estas deveriam ser autossuficientes. Mas o Estado apoia. E porquê? Porque, independentemente da iniciativa em si, há acontecimentos que mexem com o país, o ajudam a modernizar, lhe dão reconhecimento internacional e, pasme-se, trazem retorno financeiro imediato e futuro para o país. E tudo isso faz parte das obrigações de quem governa.
Dizer que o Estado Português, sendo um estado laico, não deveria apoiar a Jornada Mundial da Juventude é o mesmo que dizer que deve ignorar a maioria do povo português e deixar passar ao lado uma iniciativa que trará centenas de milhares de pessoas a Portugal. Ou será que o Estado só pode apoiar iniciativas que não tenham qualquer intuito religioso? E nas outras coisas o Estado já pode tomar partido? Cuidado! Um estado laico não deve impor a religião, seja ela qual for, mas deve apoiar e respeitar os sentimentos do seu povo, seja o futebol, a religião, a música ou a sua cultura, respeitando as minorias, mas dando sempre maior destaque àquilo que é intrínseco à maioria do seu povo. Temos de saber distinguir as coisas para não cairmos no ridículo e os exemplos disso podem ser muitos e gravosos.
Infelizmente regozijamo-nos porque a final de uma Liga dos Campeões de futebol se realiza em Portugal (com o Estado a investir), mas condenamos o apoio dado à Jornada Mundial da Juventude. Os números são obviamente diferentes, mas a dimensão e repercussão também. Voltando aos meus exemplos iniciais, existem pessoas que apesar de não perceberem nada de economia e para quem os números são algo que não entendem, mas que insistentemente os usam truncadamente a seu belo prazer, que acham que podem e devem dar opinião sobre tudo. Será que antes de opinarem não era importante estudar e analisar os assuntos para não caírem em contradições e até análises ridículas? Segundo um estudo recente feito pela PWC o impacto mínimo previsto para a economia nacional da realização da jornada é de mais de 400 milhões de euros! É apenas mais um de vários estudos credíveis. O Estado Português aponta como investimento 35 milhões! Mesmo com todos os erros, deslizes e demais situações, que muito provavelmente ainda irão provocar uma diferença maior entre os dois números, se alguém souber fazer um investimento melhor para o país levante a mão.
E é aqui que entra o Ronaldo! É raro o jogo do nosso campeão em que alguém não invada o campo, fintando a segurança, com o único objetivo de tirar uma fotografia. E por que o faz assim? Por que não procura essa pessoa outros momentos mais discretos e porventura mais simples e menos arriscados de concretizar tal desejo? É o chamado minuto de fama, de poder dizer e mostrar que se tem coragem, que se é destemido e se luta pelos seus objetivos. E lá aparece o dito cujo nos media com direito muitas vezes a entrevista e tudo. É o sucesso!
A invasão do altar da jornada, com fotos do acontecimento, por alguém que tem sido altamente financiado pelo Estado Português nos trabalhos que realiza (mais de 700 mil euros em obras de adjudicação direta) pode ser divulgado como um ato de protesto, mas infelizmente não passa de um ato de puro marketing, que visa unicamente promover o seu autor nos media. É o tal minuto de fama que bem aproveitado fará render ao seu promotor mais contratos e mais vendas num mercado da arte em que os interesses financeiros ultrapassam em grande medida a produção artística. Para quando o leilão da magnífica peça?
É apanágio do marketing aproveitar os maiores eventos, as pessoas com maior reconhecimento, os holofotes dos media para a promoção dos seus produtos, serviços e interesses. É assim que funciona qualquer atividade promocional.
Esta foi uma iniciativa que revelou uma enorme esperteza do seu promotor ao aproveitar para interesses próprios um acontecimento que projetará Portugal no mundo, que trará nesses tais 35 milhões de euros melhoramentos significativos e definitivos na zona ribeirinha de Loures e Lisboa e que, além dos tais 400 milhões, trará um retorno futuro incalculável através de todos os participantes e famílias que estiverem em Portugal e também através das pessoas presentes nos quatro cantos do mundo para onde o evento será transmitido. O crime do Estado Português foi ter gastado 35 milhões E o resto não conta? É como medir o que se gasta em preparar, semear e regar um terreno, mas não fazer a conta à colheita.
Tratou-se de um aproveitamento de marketing utilizando uma mensagem falsa e enganadora. Agora, por favor, não confundam isto com arte, por respeito a todos os grandes artistas portugueses que sofrem para sobreviver e trabalhar no dia a dia.
Professor Universitário de Política de Empresa e Consultor
Autor dos livros: Um mundo à nossa espera - Manual de globalização e Manual de Como Construir o Futuro nas Empresas Familiares