O insustentável peso de uma nuvem. Que o céu nunca nos caía em cima da cabeça
Mil oitocentos e treze cunhou para a literatura Orgulho e Preconceito, com base no manuscrito de 1797 assinado pela britânica Jane Austen. Quinze anos de espera paciente das páginas que guardavam protagonistas como a opiniosa Elizabeth Bennet e o reservado Mr. Darcy. A Jane Austin, depois de uma primeira recusa de Orgulho e Preconceito, restou-lhe a publicação do livro sob o pseudónimo "Uma Senhora". Também em 1813, sem o expediente que o obrigava a encobrir os méritos e créditos enquanto autor, o cirurgião e orientalista Horace Hayman Wilson traduzia um poema em sânscrito. A obra viajava nas letras a Oriente desde o século V d.C.
Meghaduta, do poeta Kalidasa, compõe em versos a epopeia do "mensageiro das nuvens". Um Yaksha, espírito da natureza, expulso da cidade mítica de Akala, na cordilheira dos Himalaias, sofre com a separação da sua mulher. Certo dia, Yaksha avista nuvem negra enroscada numa encosta. Filha dos ventos da monção de verão que se levantava no Oceano Índico, a nuvem preparava-se para correr o subcontinente rumo a norte, ao encontro das montanhas. Querendo acalentar a sua mulher, Yaksha fez da nuvem portadora de mensagem.
Há perto de 1500 anos, o poeta Kalidasa não suporia na natureza volátil da nuvem emissária o peso inimaginável que esta arrastava. Nos seus 60 a 90 minutos de existência, nuvens com não mais de um quilómetro cúbico, como o são os cumulus (os "carneiros" que singram os céus, brancos e de contornos voluptuosos), pesam tanto como cem elefantes asiáticos arrebanhados e lançados a dois quilómetros de altitude nos céus.
Imagem inquietante, a do peso acumulado de milhares de milhões de paquidermes, flutuantes nos céus da Terra sob a forma de cumulus, cumulonimbus, stratus, cirrus, entre outros géneros, espécies e variedades de nuvens de diferentes densidades. Um sistema de classificação semelhante ao das plantas e animais que presta tributo ao trabalho desenvolvido por Carl Lineu, taxonomista sueco do século XVIII.
Todo o peso do mundo no firmamento que, nos ritos Hindus de criação, tem encontro marcado com as narrativas de elefantes nascidos no início dos tempos. Seres brancos, alados, dotados do poder de mudar de forma e de trazer vida sob a forma de chuva.
No século XX mais pragmático, a cientista norte-americana Margaret Anne LeMone, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, prestou-se a fazer voar os elefantes das savanas africanas e das florestas asiáticas para os seus cálculos a propósito do peso das nuvens. LeMone ofereceu-nos números hiperbólicos.
Antes, porém, de atingir o muito grande, há que viajar até ao mundo micro, às gotículas minúsculas de água e de gelo suspensas na atmosfera, matéria-prima para as nuvens. Peguemos num metro cúbico de nuvem para lhe contarmos dez mil milhões de gotículas, per si não mais de um milionésimo de milímetro de diâmetro. Juntas, cooperam para disseminar a luz solar em todas as direções o que confere à nuvem o aspeto difuso e leitoso.
Metro cúbico de nuvem que não pesa acima de meio grama, como estimou a investigadora norte-americana. Contudo, tratando-se de nuvens, estamos no campo do gigantismo e um humilde cumulus de média dimensão, transporta mil milhões de metros cúbicos de água e gelo. Contas feitas, o "carneirinho" celeste revela-se novelo de 500 toneladas. Por extrapolação, o peso combinado da já referida centena de elefantes.
Para catapultar a exorbitância destes números, Margaret Anne, multiplicou a densidade de um metro cúbico de nuvem pelo volume total estimado de nuvens que se aglomeram num ciclone. O sistema de tempestade circular, chama a si o equivalente a uma manada de 40 milhões de elefantes, cifra muito superior a todos aqueles que vagueiam em liberdade no planeta. Em 2016, o African Elephant Status Report apontava 400 mil exemplares no continente negro. Há cem anos, estima-se, seriam 12 milhões.
Números colossais, a um firmamento de distância do lirismo do poema de Kalidasa. O cumulonimbus domado pelo espírito Yaksha, nuvem que augura tempestade, viajou solitário sobre as montanhas do subcontinente indiano. Divagou, empurrado pelo ar quente das monções para encontrar o rosto choroso da mulher amada.