Rui Rocha, o "insurgente" tímido que só comeu bolo-rei aos 53 anos
Rua Pascoal de Melo, Lisboa, oito e meia da manhã. O gestor de recursos humanos que, por "ser bastante diferente do estereótipo" da empresa, levou à SONAE uma festa de Halloween e uma escola de Samba no Carnaval e que no final da tarde haveria de comer pela primeira vez, em Arruda dos Vinhos, um fatia de bolo-rei, chegava ao lugar combinado, a Padaria Portuguesa, para o pequeno-almoço.
Fato cinzento, camisa branca, mochila preta nas costas, mala de viagem azul na mão esquerda - que o acompanharia quase o dia todo -, Rui Rocha, em passo ligeiramente apressado, deixa as "coisas" na esplanada e toma lugar na fila de clientes. O silêncio que estava, continua. Ninguém parece reconhecer o líder da Iniciativa Liberal. Nem mesmo as fotos que o Leonardo Negrão lhe tirava alteraram a indiferença. Nenhuma curiosidade.
O "Insurgente", que agora não tem tempo para blogues, mas onde registou a frase - "A pandemia pode ser uma oportunidade para a agricultura portuguesa" - da ministra, então Maria do Céu Albuquerque e atual Maria do Céu Antunes, que considera "sem dúvidas, uma nulidade tal que pode ser mesmo a única que escapa... o resto é tudo arrasado pelo Galamba", diz ser "tímido", mas nada parecido como o que era: "Já evoluí muito".
Porém, nem ali, nem no autocarro, no 706, que apanharíamos pouco tempo depois, se sentiu muito da evolução. Nem tão pouco, mais tarde, no final do dia, em Arruda dos Vinhos, enquanto atravessava por três vezes a feira medieval.
O que mudou na vida de Rui Rocha? "A mudança mais radical não foi a liderança, foi mais a candidatura a deputado [por Braga] e depois a eleição. Aí quem teve provavelmente um período mais complicado foi a minha filha. Quer a minha mulher, quer o meu filho mais velho já estavam em Lisboa. A minha mulher [que dali a momentos haveria de chegar] é professora, não arranjava colocação em Braga, é daqueles casos em que andou por todo o país. O meu filho já estudava aqui, no Técnico. A mais nova era quem estava muito habituada ao pai. E o pai veio para Lisboa no ano de ela ir para a faculdade no Porto". Como se gere a vida familiar? "Braga... usamos a casa de Braga para nos reunirmos aos fins de semana. Fazemos questão, faço". E quantos anos de casado? Rui Rocha sorri, hesita por breves instantes, e começam as contas de cabeça: "Portanto... casamento 26... mais... são 35... são 35 entre namoro e casamento". Tem a certeza? O riso é imediato: "Tenho...".
Toca o telefone. Rui Rocha ainda mal tinha tocado no sumo de laranja, na sandes e no café.
- "Como é que estás, filha? Acordaste bem?".
Durante uns minutos a conversa é sobre a agenda do dia e o regresso a Braga "lá para às duas da manhã". Novo telefonema. "São as chamadas da manhã", explica.
- "Tens que... sim, sim... é a seguir à Portugália... isso... há um Pingo Doce... Almirante Reis, sim... é a descer".
O toque do WhatsApp não pára. "Está sempre a bombar. O que vão ouvir durante o dia são as notificações sempre a bombar. Hoje [o telemóvel] começou a bombar logo às 07.30 por causa das sondagens: crescimento da IL, subimos meio ponto... o líder com melhor avaliação... boas notícias. Os telefonemas... já não se usa muito".
Voltamos à conversa do que mudou. "Gosto de Lisboa, não sou desse tipo de rivalidades entre cidades. Gosto de Lisboa, sempre gostei. A minha vida é relativamente simples: apanho o 706 aqui e 20 minutitos depois estou na Assembleia. No início trouxe carro, mas depois deixei". Porquê? "Tornava-me má pessoa aqui no meio disto. O trânsito, o estaciona não estaciona, a confusão. Prefiro os transportes públicos".
Instantes depois, fica descodificada a conversa do "é a seguir à Portugália". Adélia, de calças e de casaco de ganga, chega sorridente. "É a minha mulher", diz Rui Rocha. "Estou toda desarranjada... estava para não vir", diz a mulher do líder da IL que "não pensava, não tinha a noção de que ia alterar tanto a nossa vida. Mudou, mudou muito. Sabe, somos um casal à moda antiga... começamos a namorar em 1988 e andamos sempre juntinhos...".
Rui Rocha levanta-se e vai buscar um café. A "timidez" do marido não está de todo em Adélia que fala dos "telefonemas a toda a hora"; das colegas do conservatório e do colégio que "já eram simpáticas, mas depois [da eleição para líder] aumentou. E eu não gostei"; das "vezes" que nos restaurantes "o reconhecem"; das "vezes em que lhe dão os parabéns a ele e a mim" ou "quando no supermercado, quando vamos às compras, oiço as pessoas a falarem do Rui. Não sabem quem sou e oiço tudo". E ri-se.
A viagem de autocarro demora 24 minutos. "Silêncio. É este o ambiente. Não sei porquê. Nunca fui abordado no autocarro, no Metro, sim. Às vezes encontro o Pedro Filipe Soares do BE que entra no Rato". Fazem conversa? "Não fazemos muita, mas não é por nada de especial. Somos cordiais como no parlamento. A Marta Temido... acho que usa Metro... ali na zona das Avenidas Novas apanhava-a de vez em quando".
Falamos baixo. Rui Rocha explica-me que é "um tipo muito intuitivo", que "ainda" não foi "apanhado em nenhuma urgência" política no 706, e que "é importante reagir rapidamente aos acontecimentos, marca o tom das reações dos restantes [partidos]". E aquele almoço com Luís Montenegro? "Não havia outra mensagem a não ser a linha de comunicação aberta". Valeu mais a fotografia? "Sim, acho que nesse caso se aplica". Não se mostra o jogo todo? "Continuaremos a falar, conclusão única: não há coligações pré-eleitorais". Só isso? "Ou temos a ambição de mudar ou então é perder tempo". E, claro, explica, há uma certeza "evidente": "Colocamos as questões económicas no centro das nossas propostas, os princípios da reforma do Estado. E sim, são coisas mais ligadas à direita. Nas liberdades sociais e políticas... aí já estamos nas áreas dos partidos mais à esquerda". Linhas vermelhas? "Eu não me entendo com partidos que se entendem com PCP. É a mesma veemência que com o Chega".
Chegamos ao Parlamento. Rui Rocha entra apressado. Dali a minutos tem reunião com a "equipa de comunicação que a partir das 7 da manhã começa a partilhar as notícias do dia". Falam das "declarações da [deputada] Joana Cordeiro que funcionaram lindamente", do problema das vacinas que é um "conflito entre os ministros da Saúde e das Finanças", da Lei de Programação Militar que desagrada à "fonte de Belém" [e riem-se] - Rui Rocha ironiza com a "entidade oficial para exonerar ministros" -, do "Costa e Silva, o ministro que socialista não é de certeza", do Chega que já desce "em duas sondagens seguidas", e da "estratégia de não largar o tema da degradação das instituições que está a funcionar".
"De qualquer modo", sublinha Rui Rocha, "em algum momento temos que meter a nota da alternativa". Quando? "O discurso da degradação é válido até ao fim da CPI. Depois viramos para as propostas concretas, a alternativa. Virar o discurso a partir das jornadas parlamentares [final de junho]". Todos concordam.
E o que mais fica? Caiu uma certeza. O líder da IL, no dia 2, "apostava tudo em que Galamba não passa[va] do dia 6". Passou.
Minutos depois, o plenário de sexta-feira - dia de votações. Dez da manhã e praticamente um deserto de deputados. Lentamente a sala vai ficando "arrumada". Há mais ruído de conversas que deputados e mal se ouvem as intervenções. Rui Rocha vai entrando e saindo do plenário. À hora das votações estão 202. No "fumódromo" já depois das 12.30, após as votações que terminaram mais cedo, há quem esteja "indignado" por ter "levado falta" por chegar atrasado.
Ao almoço são dez. Dizem que vão ao "Conforto" muitas vezes. Há depois nova reunião, reduzida a quatro elementos, para preparar a visita aos terrenos da JMJ. "Estamos a dois meses, parece ser um momento se não estiver tudo bem organizado", diz Rui Rocha. A chefe de gabinete explica os temas "centrais": mobilidade, saúde e segurança.
O assessor de comunicação, que haveria de fazer de motorista, prepara os contactos com jornalistas. "Todos avisados", mas só RTP, que fez um direto de seis minutos, e Lusa aparecem. Durante a viagem, que foram 34 minutos, são relembrados os temas que podem surgir. E surgiram. Era previsível. Porém, o "espaço mediático ainda não corresponde ao valor eleitoral do partido", lamenta Rui Rocha.
Programa seguinte? Plenário fundador do Núcleo Territorial de Arruda dos Vinhos. Só às 18.54, Rui Rocha, já perto da feira medieval, é reconhecido na rua. É perturbador não ser reconhecido? "É um caminho que tem que ser feito, ainda só lá vão 4 meses. Há uma notoriedade que é preciso conquistar".
A caminho do "plenário" - estavam 15 pessoas - quatro mulheres metem conversa. Oferecem bolo-rei. No entanto, nenhuma sabe quem é o homem de fato. "A cara não me é estranha", diz Adélia. "Olha, estou em casa, a minha mulher também se chama Adélia", responde Rui Rocha. Mas são mais elas que falam. O líder da IL quase não fala, sorri "tímido" e come pela primeira vez na vida uma fatia de bolo rei: "É melhor do que eu pensava".