O inspirador dos estudantes de Tiananmen
Uma curta nota da agência oficial Nova China informou ontem o mundo da morte de Zhao Ziyang. Uma nota discreta, tal como bastante discretos foram os últimos 16 anos deste homem que chegou a ser secretário-geral do Partido Comunista Chinês antes de ter caído em desgraça por ter apoiado o movimento pró-democracia da praça de Tiananmen. Desde o Verão de 1989, Zhao vivia longe dos holofotes, afastado de todos os cargos no partido e no Estado, mas formalmente nunca foi acusado de nada e inclusivé até à morte manteve-se membro do PC Chinês. Prova da sua grande popularidade na China, e sinal dos cuidados com que o regime o tratava, Zhao era habitualmente visto a jogar golfe na zona de Pequim antes de ter adoecido nos últimos tempos. Tinha 85 anos.
Várias vozes se pronunciaram ontem no mundo em homenagem à sua memória, como o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi, mas foi da China que veio o mais forte apelo à sua reabilitação. Partiu de Bao Tong, seu antigo secretário-pessoal, que vive em residência vigiada pelas autoridades chinesas «O destino de Zhao Ziyang é um arrepiante relembrar das outras injustiças que estão nas consciências daqueles que são ainda poderosos». Também Wang Dan, um dos líderes mais em evidência em Tiananmen em 1989, relembrou a coragem de Zhao, notando que «se o Partido Comunista é um organização política má, nem todos os seus membros são más pessoas».
Figura de proa do movimento pró-democracia de 1989, Wang Dan passou três anos e meio na prisão antes de partir para os Estados Unidos, onde reiniciou o seu curso de História, desta vez em Harvard. Muitos outros estudantes envolvidos nas manifestações em Pequim há 16 anos estiveram presos, foram expulsos das universidades e até em alguns casos forçados ao exílio.
Zhao estava em coma e terá morrido de vários problemas relacionados com o aparelho respiratório e cardiovascular. O seu filho, Wang Yannan, disse que o pai morreu «em paz», acrescentando, segundo a BBC, que «finalmente é livre». A filha, Liang Fang, contou que vários líderes nacionais visitaram o ex-secretário-geral durante a hospitalização, que terá, com intervalos, durado vários meses. Toda a actual elite política chinesa lidou mais ou menos de perto com Zhao antes deste ter caído em desgraça e o primeiro-ministro Wen Jiabao foi mesmo um colaborador directo, tendo acompanhado a simbólica visita de 19 de Maio de 1989 aos estudantes reunidos em Tiananmen, no coração de Pequim.
O avanço dos blindados e das tropas chinesas sobre os estudantes concentrados na capital terá causado no mínimo várias centenas de mortes, talvez milhares. As manifestações a favor da democratização da China iniciaram-se em finais de Abril de 1989, na sequência do funeral de Hu Yaobang, um dirigente reformista do regime.
Figuras como Wang Dan tornaram-se célebres pelo seu desafio através de altifalantes aos governantes para que aliassem à política de reformas económicas uma estratégia de abertura democrática. A mensagem era sobretudo destinada a Deng Xiaoping, então a figura forte do regime comunista e grande obreiro, juntamente com Zhao, da transformação económica da China. Na sua esmagadora maioria estudantes universitários, os activistas da praça de Tiananmen importaram símbolos estrangeiros para a sua mini-revolução, como uma réplica da Estátua da Liberdade, e aproveitaram a presença de jornalistas estrangeiros para fazerem as suas reivindicações chegarem ao mundo.
A 4 de Junho tudo terminou num banho de sangue e nem Zhao Ziyang, que viam como um inspirador, foi capaz de intervir para os salvar. A maioria dos mais de mil milhões de chineses permaneceu indiferente ao drama, fiel a um regime que associava uma demonstração de força à enorme capacidade de promover a riqueza no país. Tianamen tornou-se um tema tabu na República Popular da China, tal como o próprio Zhao viu o seu nome remetido ao esquecimento.
Década e meia depois de Tiananmen a China transformou na fábrica do mundo. O crescimento económico ronda anualmente os dez por cento e a receita capitalista, aperfeiçoada, continua a ser a de Deng e daquele que até à queda em desgraça era visto como o seu provável sucessor - Zhao Ziyang. É esse provavelmente o maior legado deste velho militante comunista, nascido numa família de abastados proprietários rurais mas que ainda adolescente aderiu ao PC Chinês. Militante comunista durante a Guerra de Libertação contra os japoneses e depois durante a Guerra Civil com os nacionalistas, Zhao acumulou um currículo de dirigente de sucesso. Caiu em desgraça com Mao Tsé-tung durante a Revolução Cultural, mas foi reabilitado por Chu En-lai ao fim de alguns anos. Deng acreditou nas suas capacidades e fê-lo primeiro-ministro e depois secretário-geral do PC. Caiu novamente em desgraça, porque acreditava numa via democrática. O regime terá agora que decidir que tipo de funeral merece alguém que atingiu o cume do e foi militante durante72 anos.