Inferno do Brexit: "UE não reabrirá o acordo de retirada". May pensa que sim

Theresa May saiu esta tarde de Bruxelas convicta de que será possível introduzir alterações ao acordo de saída do Reino Unido da União Europeia. O que todos lhe disseram foi precisamente o contrário, mas a primeira-ministra não desarma.
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"O que eu vim demonstrar foi a nossa posição clara, de que temos de garantir alterações juridicamente vinculativas, para lidarmos com as preocupações que o Parlamento tem relativamente ao backstop", declarou Theresa May em Bruxelas, no final do último de vários encontros, ao longo do dia.

Ao contrário de tudo o que se tem dito em Bruxelas, a primeira-ministra britânica afirma que as alterações ao acordo vão agora começar a ser trabalhadas. "O presidente [da Comissão Europeia, Jean-Claude ] Juncker e eu concordámos que as conversações vão agora começar, para encontrarmos uma forma para superar isto e respondermos às preocupações dos deputados para conseguirmos uma maioria no Parlamento", garantiu.

Porém, horas antes, "o presidente Juncker sublinhou que a UE27 não reabrirá o acordo de retirada", como relatou o porta-voz do executivo comunitário, Margaritis Schinas, lendo a declaração conjunta que foi emitida imediatamente após um encontro na Comissão Europeia com o chefe do executivo comunitário, no qual também esteve presente o negociador chefe da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier.

No máximo, Bruxelas admite alguma "abertura para acrescentar uma formulação à Declaração Política" para a tornar "mais ambiciosa em termos de conteúdo e rapidez no que diz respeito à futura relação entre a União Europeia e o Reino Unido". Mas não vai além disto.

Parlamento

May seguiu depois para o Parlamento Europeu onde também ouviu longas manifestações de boa vontade para "cooperar" com as autoridades britânicas, para que um hard Brexitseja evitado. O presidente daquela instituição, Antonio Tajani alertou para a opção "muito perigosa" que a saída sem acordo representa.

"Estamos muito preocupados. Estamos a semanas de uma catástrofe económicas e humana. Esta é a realidade de um Brexit sem acordo", alertou o presidente do Parlamento Europeu, considerando que esta pode ser uma opção "muito perigosa".

O coordenador do Parlamento Europeu para o Brexit, Guy Verhofstadt admite que as dúvidas dos parlamentares britânicos, relativamente à solução de último recurso para evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, possam ser ultrapassadas "através da declaração política" sobre a relação futura.

"Estamos abertos, enquanto Parlamento, desde o primeiro dia, a melhorarmos esta declaração política, para a tornarmos mais vinculativa, mais precisa, e assim, sobre a questão do backstop, a explicar e a dizer claramente que esta é um seguro, e não mais do que isso", afirmou Verhofstadt.

Carta

Verhofstadt fez ainda questão de apoiar a possível solução apresentada pelo líder da oposição na véspera de primeira-ministra britânica vir a Bruxelas "saudando a carta que Jeremy Corbyn escreveu à senhora May, para lhe oferecer um género de acordo interpartidário para resolver o Brexit".

"É importante agora que isso conduza a uma posição no Reino Unido, que tenha a mais ampla maioria possível, para que possamos concluir esta negociação", afirmou o coordenador do Parlamento Europeu para o Brexit.

Na quarta-feira, poucas horas antes de Theresa May partir para Bruxelas, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, enviou uma carta à primeira-ministra a propor-lhe um conjunto cinco de condições, que deverão clarificar o acordo, e que sejam legalmente vinculativas. Em troca, Corbyn oferece o apoio dos 262 deputados trabalhistas na votação no Parlamento agendada para dia 14.

No documento, Corbyn propõe uma união aduaneira com a União Europeia que seja "permanente e completa", incluindo com a participação do Reino Unido em futuros acordos comerciais. Propõe um alinhamento com as regras do mercado único, assente em "instituições partilhadas"; os direitos e proteção dos trabalhadores devem estar alinhado com a UE, de modo a que os padrões do Reino Unido não sejam inferiores aos padrões da UE; propõe que haja compromissos claros sobre a futura participação britânica nas agências da UE.

Em matéria de segurança, Corbyn propõe que haja acordos claros e detalhados, permitindo o acesso ao mandato de detenção europeu, bem como às bases de dados, tal como hoje acontece.

Resta saber se, no dia 14, haverá alguma coisa, de facto, para ser votada. O ministro britânico do Brexit, Stephen Barclay, tem previsto encontrar-se com o negociador chefe da UE para o Brexit, Michel Barnier, em Estrasburgo, onde decorre a sessão plenária do Parlamento Europeu. Juncker e May também ficaram de voltar a reunir-se no final de fevereiro, com a cimeira UE-Liga Árabe, prevista para dia 24, a ser a data mais provável para novo encontro. Esta sexta-feira, em Dublin, a primeira-ministra britânica, Theresa May, vai falar sobre o Brexit - em particular a questão do backstop - com o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar. Os dois líderes vão reunir-se à hora de jantar.

Cara de poucos amigos

Theresa May chegou a Bruxelas com o semblante mais carregado que alguma vez se lhe viu por aqui. O tom sério dava a entender que a primeira-ministra pudesse estar melindrada com os termos "pouco diplomáticos" com que o presidente do Conselho Europeu se dirigiu aos incautos "defensores do brexit", no dia anterior.

No dia anterior, Donald Tusk falava com ironia, dizendo "tenho vindo a questionar-me como é que será esse lugar especial no inferno, para aqueles que promoveram o brexit sem um rascunho para o executar em segurança"

May acabou por confirmar que ficou realmente desagradada com a ironia do presidente do Conselho Europeu, dizendo que abordou "com o presidente Tusk a linguagem que ele usou ontem, que não é útil e causou um desânimo geral no Reino Unido".

Já esta manhã, o secretário de Estado adjunto da primeira-ministra, David Lidington, em declarações à BBC, questionado se May deveria exigir um pedido de desculpas a Tusk, na sequência das suas declarações, classificou a declaração como "pouco diplomática", mas considerou que "ele não estava a criticar a primeira-ministra".

No entanto, esta manhã May não exteriorizava a boa disposição com que normalmente se afirma determinada em executar o Brexit. O habitual aperto de mão com que o presidente da Comissão recebe os notáveis que o visitam, foi paradoxalmente estático.

May evitou ainda qualquer declaração aos inúmeros jornalistas que aguardavam a sua chegada, apesar das insistências. "Tem novas propostas, primeira-ministra?", questionou um jornalista, para logo a seguir perguntar ainda se ela "tem um plano B?" "Primeira-ministra, trouxe alguma proposta específica hoje?", perguntou outro jornalista que também não obteve qualquer respostay. Depois, uma nova questão: "A senhora pode fazer mudanças ao acordo, primeira-ministra?" E nada.

Nesta altura, já inclinada, para caminhar até a porta de acesso ao elevador, que a levaria ao ponto mais alto do edifício Berlaymont - o 13.º andar, onde se situa o gabinete do presidente, símbolo do poder executivo da União Europeia -, May expressou um tímido "obrigada".

Num tom irónico, e já sem qualquer esperança de obter resposta, até porque Theresa May já estava prestes a desaparecer pela porta, um jornalista perguntou: "Isto é o inferno, primeira-ministra?", levando toda a assistência, que se encontrava junto do "vip-corner" a uma gargalhada geral.

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