O Indie ainda vai trazer muito e bom cinema português

Na reta final do IndieLisboa, destacam-se filmes com os temas da ditadura e colonialismo português. Susana de Sousa Dias e Luís Filipe Rocha apresentam os seus novos trabalhos
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O cinema português vai continuar a ser a tónica dominante do IndieLisboa, festival que continua a apostar num cinema com capacidade para provocar e surpreender. Pode não ser uma tendência, mas neste festival uma das marcas da programação é uma relação com memórias de um passado português. Neste caso, mais concretamente, de um pesadelo português muito concreto: as marcas do colonialismo e da ditadura.

A estreia nacional de Luz Obscura (nova sessão hoje), de Susana de Sousa Dias, é um bom exemplo. A realizadora portuguesa volta a trabalhar com a memória e os arquivos da PIDE. Depois de 48 (2010), que examinava fotografias de presos da PIDE, as perseguições políticas e as fotografias do arquivo da polícia governamental voltam à sua agenda, centrando-se desta vez na forma como sistematicamente as famílias portuguesas eram destruídas por um sistema opressivo. Luz Obscura acompanha o percurso da família de Octávio Pato, mais concretamente dos seus três filhos. A história de uma família separada pelo Estado Novo.

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A cineasta concorda que estes temas ainda podem ser tabu no cinema português: "São temas que foram tabu na sociedade portuguesa, sim. Aliás, o colonialismo português só há relativamente poucos anos começou a ser pensado e há ainda um longuíssimo caminho a percorrer. Relativamente à ditadura, lembro-me de que quando o meu filme Natureza Morta (2005) foi estreado em sala, saiu um dossiê no Público que referia, em relação ao meu filme, as imagens de um país - o país de Salazar - que se via pouco e a questionar-se por que razão o ditador não era representado no ecrã. Dois anos depois, já Salazar era considerado o grande português e a cidade de Lisboa via-se invadida por cartazes que colocavam a questão "ditador ou salvador?" "Hoje a imagem banalizou-se." Para Sousa Dias, é uma questão de oscilação: "Entre tabu e esvaziamento, duas formas de não pensar. Claro que hoje há uma produção assinalável e pensante, ainda que, em muitos casos, velhos mitos como o do lusotropicalismo, continuem a encontrar terreno fértil."

Também Luís Filipe Rocha no documentário Rosas de Ermera fala de Portugal no ultramar ou como a invasão do Japão a Timor em 1942 teve consequências na família de Zeca Afonso. Composto maioritariamente com imagens de arquivo da sua família, trata-se sobretudo de uma história de aventura familiar, de Moçambique a Coimbra, em tempos funestos para a história portuguesa. O realizador também afirma que há muito a ser feito no cinema para retratar a problemática do colonialismo: "Salvo pontuais exceções, o cinema português ainda não tratou como eu penso que merece ser tratado o colonialismo português. As razões serão várias, mas uma delas é de certeza muito concreta e limitadora: com os meios financeiros e, por consequência, técnicos e artísticos com que são feitos os filmes portugueses penso que é impossível fazer filmes de época (o colonialismo acabou em 1974) com qualidade técnica e artística, nas ex-colónias." Rosas de Ermera inclui a música de Zeca Afonso e vive dos depoimentos diretos de Mariazinha e João, os seus dois irmãos. A sua estreia mundial está marcada no Indie já neste domingo, às 18.00, no grande auditório da Culturgest.

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Uma Memória em Três Atos, do moçambicano Inaldelso Cossa, é das longas-metragens mais esperadas deste último terço do festival. Uma investigação sobre o passado colonial português em Moçambique, onde se repensa as ações da PIDE através das palavras daqueles que foram silenciados e torturados durante o Estado Novo. Trata-se de um filme que faz a síntese da temática do colonialismo e da ditadura portuguesa. Uma primeira obra de um cineasta que fez questão de filmar os depoimentos nos próprios lugares onde ocorreu todo esse silenciamento. Passa no sábado, às 18.00, na sala Manoel de Oliveira do São Jorge e, no dia seguinte, às 21.45, no pequeno auditório da Culturgest. Não deixa de ser pena o Indie não exibir o documentário de Filipa César, Spell Reel, que esteve presente na Berlinale, e que narra de forma sensorial uma exploração das memórias do audiovisual na Guiné durante a guerra colonial...

A pontaria do tema (e o cinema ensina-nos que nestas coisas não há coincidências) faz tanto ou mais sentido quando no Festival de Berlim, neste ano, duas coproduções luso-brasileiras também tenham tocado no tema do colonialismo, nesses casos apontando para um passado mais distante: o colonialismo português há cinco séculos atrás no Brasil. Os filmes foram Vazante, de Daniela Thomas, e Joaquim, de Marcelo Gomes.

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