O Homem do Robe aclamado em Lisboa
Era um dos cabeças de cartaz da edição deste ano do Vodafone Mexefest, o cantor americano Charles Bradley, falecido em setembro, mas homenageado ontem no festival com a exibição do documentário Soul of America no cinema São Jorge. Mais ou menos à mesma hora, pelas 18.00, no terraço do Cine-Teatro Capitólio, o rapper americano Nasty Niles dava início a mais uma maratona de concertos, que continuaria neste mesmo espaço, mas na zona dos bastidores, com o Conjunto Corona, um dos mais brilhantes coletivos do atual panorama hip-hop português, pelo modo como usam o humor e a ironia. Perante uma plateia à pinha, o coletivo de Gondomar colocou a multidão a gritar o nome da sua terra natal por diversas vezes, tal como um Valentim Loureiro nos seus tempos mais gloriosos.
Em palco, Db, Logos e companhia, sempre coadjuvados pelo fiel Homem do Robe, uma espécie de Bez (o famoso dançarino dos Happy Mondays) de Riba d"Ave, debitam rimas sobre o submundo dos subúrbios portuenses, nem sempre compreendidas pelo "demasiado cortês" público lisboeta. "No Porto não somos tão bem tratados", elogiam, enquanto o Homem do Robe, assim chamado por vestir um, distribui copos de hidromel pelas primeiras filas.
Um pouco mais abaixo, no Palácio Foz, a azáfama também é grande para os seguranças, que têm de gerir a fila de gente que quer entrar no concerto de O Gajo. O cenário é surpreendente até para o próprio João Morais, um músico com raízes no punk rock, que este ano editou o álbum homónimo do alter-ego O Gajo, no qual reinventa, à luz da cartilha do rock, a sonoridade da viola campaniça.
A distância do submundo portuense dos Conjunto Corona a este Alentejo revisitado é de apenas algumas centenas de metros, mas à medida que o tempo avança, alarga-se também a geografia desta Mexefest. Afinal ainda há muito para ver ao longo da noite e a escolha é difícil. Para cima? Em direção ao cinema São Jorge, onde já atua a neozelandesa Aldous Harding? Ou para baixo, rumo ao Coliseu, onde estão prestes a começar os americanos Cigarettes After Sex?
Consagração dos Orelha Negra
A primeira noite do festival foi marcada por vários concertos, no programa recheado e diversificado do Mexefest. No Coliseu, os Washed Out eram a primeira banda da noite, mas a sala estava de tal modo composta que mais parecia serem um dos cabeças de cartaz. Apesar de um certo alheamento do público, nesta altura mais preocupado em beber umas cervejas, encontrar amigos ou colocar a conversa em dia, o projeto liderado por Ernest Greene foi a banda sonora perfeita para este arranque da noite, com a sua pop embalada por cintilantes sintetizadores e animadas batidas eletrónicas a conseguir, aos poucos, por todos a dançar.
Na Casa do Alentejo, ver os Songhoy Blues só chegando bem cedo. Em cima da hora, a fila prolongava-se rua fora. A solução, para muitos, foi mesmo ficar cá fora, a ouvir este frenético rock de ritmo africano pelas janelas escancaradas, tal o calor que se fazia sentir dentro da sala. Os Destroyer, grupo do canadiano Dan Bejar, que mais uma vez provou porque é considerado um dos mais tipos mais cool do rock alternativo. O rendilhado das suas canções talvez merecesse uma sala mais pequena e acolhedora, mas o público que enchia o Coliseu não se pareceu importar com essas minudências. Pelo contrário, quem esteve no Coliseu na altura certa foram os Orelha Negra. Por serem a banda perfeita para encerrar em festa, perante uma sala a abarrotar, a primeira noite do festival, mas especialmente porque Sam The Kid, Francisco Rebelo, Fred Ferreira, DJ Cruzfader e João Gomes já há muito mereciam uma consagração assim.