O herói imprevisto consagra o sonho de Cristiano e de Portugal
Os surpreendentes desígnios do futebol elegeram em Paris o herói imprevisto. Pensava-se em Cristiano Ronaldo, alfa e ómega da seleção portuguesa nos últimos dez anos, mas este lesionou-se e abandonou o campo entre a desolação dos seus adeptos, que temeram o pior para a sua estrela e para a sua equipa. Aconteceu o contrário. Num jogo de estrita resistência, sustentado fundamentalmente por Rui Patrício, Pepe e Fonte, autor de uma atuação sensacional, Portugal conseguiu o título que tem procurado desesperadamente desde o seu aparecimento, há 50 anos, no cenário internacional. Aquele Portugal de Eusébio e Coluna ganhou a admiração geral no Mundial de 1966, onde alcançou as meias-finais. Este Portugal tem muito menos brilho, mas encontrou a maneira de ganhar à França, em Paris. Fê-lo com sofrimento, sem o seu jogador bandeira e com Éder como herói. Ninguém o teria adivinhado.
Há dois anos, no Mundial do Brasil, Éder foi um jogador desesperante. O seu estilo não encaixava com a equipa, ou Portugal não encaixava com o estilo de Éder. Avançado à inglesa, distingue-se pela sua altura, o seu poder físico e a sua destreza para jogar de costas para a baliza. De frente perde o brilho. É o tipo de avançado de quem as grandes equipas não gostam. No entanto, aparecem sempre como recurso quando as coisas ficam difíceis. E Portugal viu as coisas muito complicadas na final. Não tanto pela mestria dos franceses, uma seleção sem refinamento, como pelos erros dos seus jovens. Não foi a noite de Renato, William e muito especialmente de Adrien Silva, desconcentrado durante toda a partida.
Apesar de a lesão de Cristiano Ronaldo ter deixado as fileiras portuguesas aturdidas, os problemas vinham de antes. A equipa não ligava dois passes seguidos e parecia alarmada pelo ataque dos franceses. Sem Cristiano Ronaldo, Portugal admitiu a sua condição de resistente e apagou todos os fogos menos um, o que provocou uma e outra vez o impetuoso Sissoko, um médio sem muito brilho, mas com uma potência nuclear. Rompeu a linha do meio-campo com tanta facilidade que esteve a ponto de ganhar a final sem ajuda.
Portugal, depois da saída de Cristiano, agrupou-se um pouco melhor, sem perder a sensação de angústia. Os mais jovens davam uma sensação de desamparo. O jogo não deixará marca pela técnica e pela criatividade. Será recordado pela derrota de França no prolongamento, nada menos que no seu estádio, onde sempre ganhou os seus grandes títulos. Esta é uma França menor, ou em construção, superada no prolongamento por uma equipa que encontrou o fio da vitória nas substituições. A substituição de Adrien Silva por Moutinho era obrigatória. Moutinho acrescentou um pouco de força e o cariz de um veterano. A substituição decisiva aconteceu depois. Éder entrou para o lugar de Renato, que ficou surpreendido com a decisão do treinador. Fez um gesto de figura enfadada. No entanto não o é.
Éder, o avançado irritante no Mundial do Brasil, foi a solução para a maioria dos problemas. Até então Portugal mal conseguia movimentar a bola. Ou a perdia rapidamente ou jogava-a trivialmente. Lloris ficava sempre muito distante. Na sua posição favorita, como homem-alvo, começou a baixar um por um todos os pontapés de Pepe e de Fonte. A equipa começou a respirar. Afastou a França da sua área, superou a pressão e começou a alcançar a baliza de Lloris.
O veterano tanque avançado pareceu ser a melhor ideia do mundo. Éder desestabilizou a defesa rival, permitiu a Nani percorrer espaços mais adequados e gerou ocasiões de golo. A primeira com um toque de cabeça que Lloris desviou com sérias dificuldades. A segunda consagrá-lo-á para sempre como um herói em Portugal. Foi Éder em toda a sua magnitude. Apanhou a bola de costas, ganhou o duelo com Umtiti, perfilou-se e apontou um tiro direto, magnífico, imparável. Cristiano Ronaldo, especialista nas suas próprias celebrações, gritou como se fosse o melhor da sua carreira. Com razão. Em Paris, o ídolo ferido levantou por fim a sua sonhada taça de campeão.