O herói de Cuba e o inimigo americano
Desde que Fidel Castro adoeceu, sendo a sua saúde um segredo de Estado, multiplicaram-se os comentários sobre este dinossauro do comunismo. Com razão. Fidel é o líder político há mais tempo no poder em todo o mundo - desde 1959. Mas pouco se fala da surpreendente popularidade que este ditador ainda conserva no seu país.
Se já era estranho existir há tantos anos uma ilha comunista a menos de 250 quilómetros dos Estados Unidos, ainda mais curioso é o comunismo cubano ter sobrevivido ao colapso do seu protector, a União Soviética. Fidel escapou a dezenas de tentativas para o assassinar (muitas delas gizadas pela CIA) e a vários planos de intervenção militar externa para mudar o regime, o mais célebre dos quais culminou no fiasco da Baía dos Porcos em 1961.
A brutal repressão interna do regime cubano explica parte da sua longevidade política. Mas não explica que a aceitação do tirano Fidel em Cuba seja ainda hoje apreciável. Nada que se compare, por exemplo, à descrença e ao cinismo desencantado que prevaleciam nos anos 70 e 80 nos povos europeus sob o império soviético.
O caso é tanto mais notável quanto se multiplicaram sinais de que o poder absoluto subiu à cabeça de Fidel Castro. Como é frequente nos ditadores, o seu contacto com a realidade tornou-se algo incerto. Por exemplo, logo em 1962, durante a crise dos mísseis (o momento mais perigoso da Guerra Fria), Fidel tentou impedir Krutschev de recuar, ainda que daí resultasse um holocausto nuclear. E não faltam a Fidel manifestações ridículas de egocentrismo. Como os seus discursos de sete ou mais horas na televisão. Ou o episódio contado pelo ex-comunista espanhol Jorge Semprun. Numa visita a Cuba, Semprun e os seus camaradas tiveram a honra de ser convidados a jogar uma partida de basquetebol com a participação de Fidel. Mas avisaram-nos: a equipa onde Fidel jogasse teria de ganhar.
Então, o que manteve Fidel Castro tanto tempo no poder em Cuba? Primeiro, o regime e o líder que ele derrubou, Fulgêncio Baptista, não eram flores que se cheirassem. E o castrismo trouxe alguma redução da miséria em Cuba.
Fidel criou bons serviços de ensino e saúde. Cuba tem o mais alto nível de literacia da América Latina. A sua taxa de mortalidade infantil é inferior à dos EUA. E médicos cubanos são enviados para ajudar outros países pobres (partem sem a família, de maneira a não caírem na tentação de desertar da ilha-prisão).
Mas estas melhorias sociais tiveram como contrapartida a perda das liberdades. A repressão em Cuba não abrandou nos últimos anos, pelo contrário. Entretanto, a queda da URSS privou os cubanos de uma ajuda económica substancial, hoje apenas em parte substituída pelo petróleo venezuelano oferecido por Chávez. A pobreza grassa.
Só que as dificuldades dos cubanos têm sido atribuídas por Fidel Castro à política hostil dos EUA e em particular ao embargo comercial mantido por Washington desde 1962. O ditador de Cuba conseguiu convencer muitos dos seus compatriotas de que o inimigo americano é o responsável pelos males de que eles sofrem. Assim, Fidel surge aos olhos de grande parte da população cubana como o herói nacional que fez frente a dez sucessivos presidentes dos EUA. O pequeno David cubano contra o Golias americano.
Desde há muito se revelou contraproducente o embargo imposto pelos EUA ao comércio com Cuba. Tem sido uma preciosa ajuda dos americanos ao fortalecimento do mito de Fidel, herói nacional.
Ao criar um inimigo externo, o embargo legitimou Fidel Castro e o seu regime aos olhos dos cubanos que não fugiram da ilha. A própria repressão, nada doce, é justificada por Fidel como necessária para combater o imperialismo de Washington.
Opõe-se ao fim do embargo uma boa parte dos cubanos que emigraram, nomeadamente para Miami. Essa gente, que tem contas a ajustar com os comunistas de Cuba, constitui um factor que hoje pesa na política interna americana. Factor que aumentou a relutância de sucessivas Administrações em corrigirem um erro que persiste há 44 anos.
Sobretudo, os presidentes americanos não quiseram dar parte de fracos, recuando no embargo, embora provavelmente o tenham considerado um erro. O problema é a imagem... A política tem destas coisas: o que parece é, dizia o dr. Salazar.
Repetindo uma oferta de 2002, Washington diz agora que levanta o embargo se Cuba fizer reformas democráticas. O problema é que o embargo tem contribuído para não haver reformas.