O guardião, as memórias e a marca
Em 2010, apareceu o documentário L"Amour Fou, de Pierre Thoretton, em que Pierre Bergé, o amante e associado de longa data de Yves Saint Laurent, recorda a relação sentimental e profissional entre ambos. O filme é narrado pelo próprio Bergé, e o seu ponto de vista também é adotado em Yves Saint Laurent, de Jalil Espert, descrição convencional, inerte, refinada e rarefeita da carreira do estilista até aos anos 1970, e da sua associação com aquele. Bergé, interpretado por Guillaume Gallienne, controla a narrativa em flashback com uma voz off reverente e melancólica que, associada à realização piedosa de Jalil, dá ao filme o aspeto de uma produção simultaneamente biográfica e promocional, onde a celebração do génio do criador se desdobra numa afirmação de identidade da marca. O filme baseia-se na biografia de Saint Laurent escrita pela jornalista Laurence Benaim, mas também no livro Lettres à Yves, de novo de Pierre Bergé, que se afirma visivelmente como o zeloso, atento e reverente guardião de tudo o que diga respeito ao estilista (interpretado por um Pierre Niney saído de um museu de cera): as suas memórias íntimas e os factos da vida, mas também a herança patrimonial e comercial, a imagem pública e a reputação da casa. Bergé é, aqui, a voz do bom senso e o anjo-da-guarda, que tira Saint Laurent dos vários poços em que ele caiu ao longo da sua existência em comum, salva dos demónios que o atormentam e das más companhias e devolve ao esplendor criativo. O filme é tanto sobre Saint Laurent como sobre o papel fundamental de Bergé na sua vida. A seguir, vem aí Saint Laurent, de Bertrand Bonello, a biografia não autorizada e não controlada por Pierre Bergé. Será por isso menos embalsamada em glamour e deferência do que esta?