O grande filme épico e barroco de Xavier Dolan
O que significa falar hoje de Xavier Dolan, caso de culto que inspira paixões e jovens esperanças e, com a mesma força, ódios viscerais? Laurence Para Sempre, a terceira longa-metragem, que estreou com "apenas" 23 anos e chega agora às nossas salas de cinema, parece reclamar, com grande intensidade, um desejo muito intransmissível - deixar de ver Dolan como um benjamim do cinema canadiano e começar a tratá-lo como cineasta. Com C maiúsculo.
Depois de ter conhecido as câmaras desde muito cedo (Dolan começou por interpretar com cinco anos numa série de TV, seguindo as pegadas do pai, o ator Manuel Tadros), foi a partir dos 17 que decidiu que queria fazer cinema. A revelação deu-se com o contacto com outros autores. A saber: Gus Van Sant, que frequentemente cita como o seu herói pessoal, e François Truffaut (Os Quatrocentos Golpes é um dos seus filmes preferidos). Desde aí aventurou-se no caminho das longas e foi apadrinhado, com 20 anos feitos, no Festival de Cannes, onde apresentou J"ai tué ma mère.
Os diálogos histriónicos, a imagem da mãe a assombrar uma narrativa semiautobiográfica, o estilo desenfreado e disperso em ideias, a interpretação da sua própria vida (Dolan surge como protagonista), a obsessão pela música como caminho para chegar às emoções - o seu primeiro filme revelava tudo isto sob a sombra de uma frágil e comovente honestidade, que seria reconhecida por parte da crítica: por exemplo, dos Cahiers du Cinéma, que até hoje lhe dedicam, como nenhum outro da sua idade, grande parte da sua atenção e carinho.
Laurence Para Sempre prossegue a jornada mediática de Xavier Dolan, que o voltou a apresentar em Cannes (questionou-se até o motivo pelo qual o filme não esteve integrado na competição oficial para a Palma de Ouro) e mereceu destaque alargado na imprensa francesa. O "número 3" de Dolan é o seu filme mais extravagante, barroco e estilizado (as referências voam como voam as folhas de outono vindas de um filme de Douglas Sirk chamado Escrito no Vento...) - ao mesmo tempo, tenta ser dos mais intimistas.
No fundo, uma espécie de épico romântico (Laurence Para Sempre dura mais de 2 horas e meia... alguém falou em Titanic?) que pretende jogar com a ideia de identidade e género, trocando as voltas de conceitos fechados: feminino, masculino, gay e hetero não são aqui mais do que palavras. Não obstante de todas as suas ideias, Xavier Dolan filma curiosamente com uma pujança e um olhar despersonalizados - o virtuosismo das suas ideias (muito próprias de teledisco) e a colagem com tantos outros "estilos", dominam, demasiadas vezes, aquilo que estamos a assistir.
É por isso que, inevitavelmente, a nossa atenção deverá estar dirigida para o trabalho profundo de Dolan com os diálogos e, por conseguinte, com os seus atores. Destaque absoluto para Melvil Poupaud, que com este papel se edifica de vez como um dos grandes ícones queer da atualidade, e ainda Suzanne Clément, que ajuda a dar vida ao universo sempre adolescente de Xavier Dolan. Quem quiser entrar fica avisado: haverá muitas lágrimas e gritos. Mas muito amor no meio de tudo isso.