O grande cerco de Lisboa
Quem vai poder morar em Lisboa?" A pergunta serviu de mote a um debate no início desta semana, convocado por um grupo de lisboetas e partindo de um documento onde se pretende fazer o diagnóstico da situação e apresentar soluções/sugestões. Neste, anota-se a subida histérica e abrupta do preço do imobiliário no centro e o aumento brutal dos alojamentos locais, assim como dos hostels e hotéis, tudo concorrendo para o risco de as freguesias mais antigas e "típicas" de Lisboa se transformarem numa espécie de condomínio turístico, com muito poucos habitantes permanentes.
Há, como um dos oradores, Pedro Bingre, frisou, muitos motivos a contribuir para isso. O facto de, a nível mundial, as taxas de juro estarem muito baixas e o mercado de ações pouco atrativo canaliza o investimento para o imobiliário, o que, aliado ao facto de o IMI português ser um dos mais baixos da Europa e de o terrorismo no Norte de África estar a trazer os turistas, nas asas das low--cost, para paragens (ainda?) seguras, faz da capital, propagandeada na imprensa internacional como uma das cidades mais belas do mundo, um íman para a especulação. Por outro lado, a legislação do alojamento temporário, que o torna fiscalmente muito mais atrativo do que o arrendamento permanente - no primeiro é possível só pagar impostos sobre 15% dos proventos; no segundo o IRS é de 28% -, para além de permitir uma rendibilidade muito mais elevada e não apresentar os mesmos riscos, leva quem tenha um apartamento vazio a dar-lhe preferência.
Vazio: eis a palavra-chave. Malgrado a conjuntura, nada de muito grave aconteceria se o centro da cidade estivesse profusamente habitado. Mas não está, porque muito pouca gente quis nele viver, mesmo quando o preço das casas era muito barato - e foi-o até há muito pouco tempo. Assim, quem possuía prédios e podia esperar esperou por um momento bom para vender ou reabilitar. As pessoas - qualquer uma e não apenas os tubarões do capitalismo - aproveitam as oportunidades. E querem retirar o máximo possível de rendibilidade dos investimentos com o mínimo de chatices. Daí que se exija realismo e menos passa-culpas e diabolização a quem quer pensar sobre isto.
Medidas óbvias? Desde logo, tornar o arrendamento permanente mais vantajoso, no IMI e no IRS mas também nos despejos - medida que vai ao arrepio da sensibilidade da maioria de esquerda mas sem a qual nunca teremos um mercado de aluguer saudável. Quotas máximas para alojamento local em cada prédio (e talvez taxas de condomínio mais altas); limites à conversão do edificado em hotéis. Pensar uma forma de proteger o comércio tradicional que não corresponda a (mais) uma expropriação dos senhorios - por exemplo subsídio de renda, como está previsto para arrendatários idosos. E diálogo urgente entre as forças em presença, todas. A começar pela autarquia e pelos moradores. Ainda podemos salvar a cidade - se é mesmo isso que queremos, e não apenas queixar-nos e dizer mal.