O GOVERNO E JORGE COELHO

Publicado a
Atualizado a

Aqui há uns tempos, quando Jorge Coelho marchou para a presidência da construtora Mota-Engil, o mundo português dividiu-se. Para uns, a Mota- -Engil era livre de escolher quem quisesse para a sua administração, até aquele que é possivelmente o português mais influente junto do Governo. Para outros, mesmo que a idoneidade de Jorge Coelho estivesse fora de causa, essa escolha iria pôr em suspeição permanente as relações entre o Estado e a construtora. Uma suspeição que até poderia revelar-se infundada, mas que seria difícil eliminar.

Agora, vejam bem, o Governo decidiu, já em fim de mandato, renovar o contrato de concessão do terminal de contentores de Alcântara à Liscont, uma empresa maioritariamente detida pelo grupo Mota-Engil - renovação acompanhada de uma apreciável melhoria das condições do contrato (aumenta a área disponível para a instalação de contentores). Aquilo de que qualquer lisboeta está absolutamente farto - ver a zona ribeirinha atravancada pelos contentores da actividade portuária -, não só irá continuar como irá crescer em densidade. O PSD reagiu invocando o favorecimento da empresa da Mota-Engil e tenciona pedir a apreciação parlamentar da decisão do Governo. Eu não sei nem posso garantir se o Governo favoreceu aqui a empre- sa do "amigo" Jorge Coelho. Mas se a função do jornalismo é fazer perguntas, eu aproveito para fazer as minhas. Há uns anos, numa notícia de 2 de Maio de 2005, o Diário de Notícias dava conta de que o grupo Tertir pedia ao Governo que clarificasse a sua posição sobre a localização da actividade portuária, porque estava insatisfeita com a ideia de ter de deslocar o terminal portuário para fora de Lisboa a fim de se "devolver" a área ribeirinha à população. Convém notar que a Tertir era então proprietária da Liscont e, para além de temer os custos inerentes à construção de uma nova central de contentores, tinha interesse natural em renovar a concessão do terminal de Alcântara. É escusado acrescentar que o Governo não clarificou nada, sempre sob o pretexto de que a área ribeirinha seria libertada para se tornar no espaço de lazer e liberdade que os lisboetas esperam há décadas. Então o que fez a Tertir? Em 2007, vendeu a sua posição na Liscont à Mota-Engil, que assim passou a controlar a empresa. E é essencialmente isto que importa esclarecer: como é que antes a renovação do contrato de concessão desejada pela Tertir parecia uma tarefa impossível por força dos planos governamentais de abertura da área ribeirinha e, assim que a Liscont passa para as mãos da Mota-Engil, o contrato de concessão é logo celebrado, ainda por cima com condições mais favoráveis? De resto, este é só mais um exemplo de como Lisboa e os lisboetas são tratados por quem nos governa.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt