O "gourmet rural" do Casteleiro
Desde pequeno que acompanhava a avó pelos campos em redor da aldeia. Sem a aldeã se aperceber, estava a dar formação ao neto, que passava ali as férias da escola, e ia com ela apanhar míscaros e amoras para consumo próprio ou para vender. Em redor da aldeia do Casteleiro, reconhece ervas que nos parecem banais e recolhe-as com uma delicadeza de quem conhece bem o valor do que está a colocar no cesto.
"Esta sempre foi a minha terra" diz-nos Rui Cerveira, com aquele sotaque típico de quem cresceu no centro de Lisboa, onde muitas vezes com a pressa do falar se engolem umas quantas vogais. Na verdade, Rui nasceu e cresceu num bairro típico da capital e é com felicidade que se recorda das "futeboladas" com os amigos nas ruas com paralelos de basalto preto. Mas não só: na adolescência as idas aos grandes cinemas e aos inúmeros jogos a que assistiu no Estádio da Luz faziam as delícias do grupo de amigos. Se pudesse, eram umas das coisas que trazia aqui para a aldeia.
O percurso foi longo, o chef de cozinha trabalhou um pouco por todo o país: Algarve, Alentejo, Douro e, claro, os Açores, que lhe dividem o coração com a Beira. Não é só a questão da beleza natural, mas sobretudo a resiliência perante a inclemência dos elementos que, na sua opinião, une beirões e açorianos. Talvez por isso, quando estava farto de andar a cirandar entre projetos, Rui ainda ponderou ficar nas ilhas atlânticas. Mas o coração e a afinidade com a terra que conhecia desde pequeno fez a balança pender definitivamente para o concelho do Sabugal.
Veio aqui parar quando os pais decidiram recuperar uma casa antiga da família e teve de acompanhar as obras. Ainda não sabe se foi a tranquilidade da aldeia, os aromas da terra pela manhã ou o cheiro das lareiras quando o frio se acerca, que o fez querer lançar aqui um restaurante diferente. Talvez fosse a sensação de "beber água fresca de uma fonte" ou a fertilidade própria deste local - a Cova da Beira - onde fruta e legumes se desenvolvem com especial qualidade. Na sua cabeça, surgiu a ideia de criar um restaurante que usasse "os produtos fantásticos, que estão mesmo aqui à mão" e à distância de uns passos da porta da sua cozinha.
Falamos de alimentos com sabores muito distintos a brotar em redor do Casteleiro, de forma espontânea e a custo zero, como meruges (uma espécie de agrião que cresce em água muito limpa) ou a flor de sabugueiro, que usa para confecionar peixinhos da horta. A nêveda (ou erva-gateira), da família das aromáticas, "faz uns gelados divinais" e sobre as norsas, que lembram espargos selvagens, assegura que são deliciosas. Os umbigos-de-vénus que recolhe dos muros de pedra em redor da aldeia são uma ótima alternativa à alface. Mas também o cardo, cuja a flor é normalmente colhida no fim do verão e depois de seca é usada no fabrico de queijo.
Neste conceito de "gourmet rural" o talo de cardo é limpo e depois comido como um espargo.
De repente, começamos a olhar para toda esta diversidade de ervas que não associávamos à alta cozinha. Nesta combinação entre "cozinha de lavradores, regional e gourmet", Rui Cerveira ainda tem tempo para lecionar gestão hoteleira na Escola Superior de Turismo e Hotelaria em Seia, "porque aqui o tempo rende mais". Com a mulher e as duas filhas já nascidas na beira-alta, uma na Covilhã e outra no Fundão, sente-se especialmente feliz neste local e enquanto conversamos acena à filha mais nova com um sorriso gigante. Explica que aqui valoriza o tempo que consegue ter para a família e a fortuna de fazer o que gosta: "Tenho a sorte de trabalhar no que gosto e assim conseguimos ser mais realizados, ter uma vida com muito mais qualidade. Na realidade temos tudo de bom, falta é trazer pessoas. A minha missão é trazer pessoas para aqui".
Casteleiro
Freguesia do município do Sabugal, situa-se no extremo ocidental do concelho, no distrito da Guarda, já em plena Cova da Beira, região há muito reconhecida pela fertilidade dos seus terrenos.
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