O general Inverno voltará a ser aliado de Moscovo
Estando ainda longe do Inverno é já evidente que o apoio do Ocidente à Ucrânia, com as sanções económicas contra o regime de Putin, está a ser apontado como sendo responsável pela crise energética e inflacionista que está a deixar as classes médias e baixas à beira de um ataque de nervos. Os apoiantes de Moscovo, estejam na extrema-direita ou na extrema-esquerda, jogam com a falácia de que os povos das democracias ocidentais não precisariam de estar a sofrer com esta crise e que isso só acontece porque os seus governos os levaram para a guerra. Nesta falácia, obviamente, a defesa da Democracia não entra na equação, porque os radicais não a consideram essencial.
É claro que a guerra que resulta da invasão da Ucrânia pela Rússia agravou a crise energética e alimentou uma espiral inflacionista em que a contenção da maioria dos salários é o único ponto a contribuir para que a inflação não seja ainda mais alta. Só que esta perda de poder de compra provocada pela existência de salários que não acompanham a inflação, continuando, acabará por ser utilizada pelos populistas aliados de Putin para minar a confiança dos cidadãos nos governos democráticos que elegeram.
Convém lembrar que a inflação, que o BCE e a FED consideravam transitória, começou em 2021 e não resultou apenas das dificuldades nas cadeias de abastecimentos e da alta generalizada da energia mas, sobretudo, da existência de demasiado dinheiro no circuito. Os bancos centrais alimentaram a inflação, que deviam combater, despejando dinheiro na economia a juros muito baixos ou mesmo negativos. Uma vez mais, com medo do arrefecimento prolongado da economia, criaram uma nova crise com a estratégia utilizada para combater a crise instalada.
Dá medo, quando se ouvem os responsáveis políticos, como este fim de semana o Presidente da República, lançar sem grandes explicações a ideia de que o monstro da "inflação pode descer a partir de outubro ou novembro". Como se os milhares de milhões de euros das diferentes bazucas por essa Europa fora, mais os programas específicos de cada país para ajudar famílias e empresas a ultrapassarem uma crise energética, que se vai agravar no inverno, não fossem garantias suficientes de que a inflação se vai manter alta. Pode não ser de 9%, como está agora em Portugal, e ser de 8,5 ou 8 ou 7,5 no acumulado de 12 meses, ou descer dos 20% nos países bálticos, mas continuará a ser, ainda durante muito tempo, um problema sério para as famílias de menores recursos.
A questão é que é preciso dizer aos cidadãos, como sugere Emmanuel Macron, que o tempo de abundância acabou. A começar na abundância de dinheiro que governos irresponsáveis gostam de despejar em cima de todos os problemas, passando pela abundância de energia que governos irresponsáveis gostam de usar como se ela fosse ilimitada. Com a agravante, no caso dos países europeus, de terem de importar parte essencial da energia que consomem. A fatura aí está, cada vez mais pesada.
É com isso que conta Vladimir Putin. O inverno vai chegar e as opiniões públicas ocidentais não acharão tanta piada a apoiar a Ucrânia combatendo a Rússia com sanções, se isso significar uma recessão provocada pela falta do gás russo na indústria do centro da Europa e casas geladas. Em Moscovo, esfregam-se as mãos à espera da chegada do famoso general.
Jornalista