O Gato das Botas ataca de novo

Antonio Banderas parece estar por todo o lado. Esta semana «aterra» em Portugal na voz de o Gato das Botas, personagem de <i>Shrek</i> que conquistou de tal maneira o público que a próxima sequela desta saga terá como título e personagem principal o amoroso, feroz e sedutor gatinho com alma de espadachim espanhol. Banderas, claro, será de novo a sua voz. Mas há mais.<br /><br />
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Para onde quer que o espectador de cinema se vire, o actor espanhol marca presença. Depois de ter sido apresentado como a estrela de La Piel Que Habito, o novo de Pedro Almodóvar, está prestes a ser ouvido na versão original de Shrek para Sempre, a estrear dia 8 de Julho. Nos clubes de vídeo tem ainda dois filmes acabados de editar: Parceiros no Crime, de Mimi Leder, e O Outro Homem, de Richard Eyre, este último pretexto para o encontro com a nm no Festival de Toronto.
Entre altos e baixos de uma carreira internacional conquistada a pulso, António Banderas apresenta-se tranquilo. Aos 50 anos está em alta. Alinhado para um futuro próximo tem o novo Almodóvar, o papel de que já estava à espera há muitos e muitos anos. Para Banderas, o regresso ao cinema espanhol tinha de ser pela porta grande – através da lente da câmara de Almodóvar, o cineasta que o lançou. Mas a sua presença no grande ecrã está neste momento em grande pujança. Em Maio, foi visto em You Will Meet A Tall Dark Stranger, o novo Woody Allen, onde interpreta o estereótipo do amante latino. Mais tarde, vê-lo-emos como Salvador Dalí, em Dalí, produção internacional realizada por Simon West. O seu cardápio inclui ainda o novo de Steven Soderbergh, Knockout, onde desfila ao lado de Channing Tatum, Michael Douglas, Ewan McGregor e Michael Fassbender e uma outra biografia, neste caso do italiano Vivaldi.

Casamento feliz
O filão de Shrek não acaba com este último capítulo. Na calha já está alinhado uma animação totalmente consagrada à sua personagem de O Gato das Botas. O seu sotaque inglês com os «esses» muito castelhanos faz furor. Depois, há ainda um casamento com Melanie Griffith que parece seguro e extremamente feliz. A imprensa cor-de-rosa adora isso e Banderas não tem problemas em o publicitar. São frequentes as reportagens em casa da família, quer nos EUA, quer em Espanha, onde passam as férias. Não é por acaso que é o próprio quem traz a mulher à conversa: «Ela ajuda-me nas escolhas da minha carreira. Tem uma visão muito mais objectiva do que a minha. Uma pessoa em Hollywood pode perder a clareza de pensamento.» Banderas fala de uma carreira cujas escolhas passaram sempre pela optimização das características de macho latino. E o que é curioso é que por entre uma certa exuberância de latin lover, há no homem que está à nossa frente uma imensa vulnerabilidade, como se houvesse uma urgência na desconstrução. O olhar furioso, matador, e a pose de gingão sempre foram concessões a um desejo da própria indústria. E se Hollywood tivesse querido arranjar um Rodolfo Valentino para os anos 1990? É um pouco isso…
Em O Outro Homem, Banderas interpreta o suposto amante de uma mulher de família que morreu. Ele é descoberto pelo viúvo, interpretado por Liam Neeson. É uma personagem que joga com as figurações das imagens feitas do que as mulheres idealizam como amante perfeito. O amante que se veste bem, que tem a necessária «pinta» de malandro e que até tem sotaque latino. Mas, claro, no filme de Richard Eyre nada é o que parece e o mito do amante latino pode ter uma casca de banana para escorregarmos. É Antonio Banderas que avisa: «Este amante latino não tem aquela confiança habitual das minhas personagens. De alguma forma, é uma pessoa muito fraca, antimachista, e que nos faz pensar que os homens com família e relação estável são pessoas mais fortes. Mas neste filme não há vítimas ou culpados. Essa é a grande mensagem e é preciso algum tempo para a digerirmos. Quando estava na rodagem confesso que estava com uma outra perspectiva». Ou seja, ficou surpreendido com o resultado final? «Sim, em muitos aspectos sim. Estive dois meses na rodagem e só depois de ver o resultado final é que percebi realmente a interpretação do realizador. Devo confessar que achei muito interessante. Mas muito do que filmámos pensei que iria ter outro significado. Isso acaba por acontecer muitas vezes em cinema. As nossas expectativas são confundidas.»

De cabotino a actor reconhecido
O Outro Homem foi também pensado para criar no espectador a discussão «o que eu faria no lugar dele?» É um filme sobre comportamentos humanos, no limite. Provavelmente, é muito mais do que um thriller passional. Pretende também ser uma espécie de teste à nossa condição moral e às nossas crenças de fidelidade: «Reflecti muito sobre o que faria no lugar das personagens. Quando estávamos nas pausas da rodagem falávamos muito acerca daquela situação. Penso que este filme é capaz de criar um debate entre um casal. Até que ponto é possível manter um segredo num casamento!? A mulher desta história nunca muda o seu comportamento em 12 anos... Para mim, é muito tempo. Se fosse um homem espanhol no lugar da personagem do Liam Neeson, não creio que a reacção fosse diferente!»
Antonio Banderas é tudo menos consensual. Fez figuras ridículas em Hollywood, foi o cabotino dos cabotinos, mas também já provou merecer a classificação de actor (em especial nos filmes de Almodóvar e na forma como foi um estimável herói de acção na série Zorro). Como é então o seu método? «Trabalho com o que tenho dentro de mim. Quando fiz o telefilme sobre Pancho Villa, transformei-me literalmente em Pancho Villa. Trabalho sempre com o material de que sou feito, ou seja, os meus reflexos e emoções. Um músico sempre tem um instrumento, nós não. Só nos temos a nós próprios. Por isso, não podemos deixar passar aquilo que já nos aconteceu na nossa vida.» Quando o questionam sobre algumas escolhas duvidosas no jogo de Hollywood, diz sempre que se deveram a um factor: ser mau leitor de guiões. «Tudo é muito sucinto e seco. Por exemplo, não consegui perceber esta personagem de O Outro Homem quando li o argumento pela primeira vez. A minha secretária é que me disse que era bom material. Na verdade, percebo agora que tem que ver com o que fazia no início da minha carreira. Apesar de Almodóvar ser um pouco mais excêntrico, Richard Eyre tem pontos de contacto com ele…», confessa. E depois de Tarântula, projecto de Almodóvar que supostamente iria reunir Penélope Cruz e Banderas, ter sido cancelado, poucos seriam os que ainda acreditavam num regresso de Banderas a Almodóvar. Em Maio passado, Banderas mostrou-se orgulhoso de ter sido «perdoado», adiantando que esta personagem de um cirurgião plástico que se vinga dos homens que violaram a sua filha é o maior desafio que já teve na vida. Podemos esperar um Banderas mais autêntico, limpo do tal sotaque de Hollywood, pronto a habitar a pele de um monstro num objecto de terror sem regras do género. Num mundo normal, pareceria um papel talhado à medida do outro rival de Banderas, Javier Bardem. Felizmente, Almodóvar ainda sabe trocar as voltas.

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