O G20 como um modelo para o Conselho de Segurança de amanhã
Hoje, não escrevo sobre a Ucrânia, embora reconheça ser fundamental manter o assunto no topo da agenda da comunicação pública. Esse é, aliás, um dos grandes riscos desta crise: os putinistas, os seus parentes neoestalinistas e neofascistas, sem falar dos idiotas úteis que escarafuncham nos media e cacarejam de poleiro, gostariam de ver a invasão russa desaparecer dos cabeçalhos. Nos nossos dias, o que sai da primeira página é facilmente ignorado. Essa gente acha que é conveniente esquecer a agressão decidida por Vladimir Putin, que, além disso, não tem nada de geopolítica - se assim fosse, o autocrata teria uma outra postura relativa às candidaturas de adesão da Finlândia e da Suécia à NATO, para já não falar dos Bálticos. Está agora claro que Putin sonha com a velha lengalenga do destino histórico da Mãe-Rússia.
Também não abordo desta vez o tema NATO. Será assunto para futuras crónicas. Mesmo sabendo o que se tem escrito por aí, incluindo numa página inteira, num semanário conhecido - uma enxurrada que evidencia pelo menos duas falhas: que o autor não sabe como se constrói o orçamento da NATO; e que dá uma importância ao Secretário-geral da organização que ele não tem. Jens Stoltenberg é um hábil facilitador, com boa apresentação, prudente nas palavras, um equilibrista que faz dos fracos dotes oratórios uma virtude. Mas o poder não lhe pertence. Reside nalguns Estados-membros, a começar pelos EUA, mas não só. Veja-se o que pesam países como a Polónia ou a Letónia, por exemplo, sem esquecer o exemplo da Turquia. Afirmar, sem hesitações, que Stoltenberg manda na Europa, ou no Ocidente, é conversa fiada, de quem perora muito sobre o que pouco ou nada sabe.
Alguém sugeriu que escrevesse sobre a recente cimeira dos BRIC, que decorreu em Pequim a 23 de junho, sendo este o ano da presidência chinesa. Ficou claro que a China procura transformar os BRIC num bloco político e económico capaz de ser uma alternativa ao G7. E para isso, está a tentar introduzir um novo formato, que incluiria para além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, outros países emergentes, a Argentina na América Latina, o Egito, a Nigéria e o Senegal em África, e outros, como a Tailândia, a Indonésia ou ainda o Cazaquistão. Aqui faria duas observações, depois de reconhecer o dinamismo económico da China e o peso relativo dos outros membros na economia mundial. Primeiro, os BRIC, como o G7, falam de cooperação e de multilateralismo, mas constituem, na realidade, blocos inspirados na rivalidade e na hegemonia. Segundo, se tivesse que escolher entre a democracia e a segurança humana praticadas nos BRIC ou no G7, preferiria seguramente o modelo japonês, por exemplo, do que o da vizinha China. Os valores das liberdades e dos direitos humanos são critérios fundamentais.
Na verdade, o meu propósito é o de sublinhar o potencial que existe ao nível do G20. Esta é a única organização, para além do sistema das Nações Unidas, que consegue reunir os poderosos do Norte e do Sul. Deve, por isso, ser vista como uma boa aposta em termos de colaboração política e económica internacional. E hoje é fundamental que se volte a falar de cooperação e complementaridade, face aos desafios que todos enfrentamos. Os líderes devem sair dos discursos meramente antagonistas.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros do G20 estão reunidos desde ontem em Bali, na Indonésia. Apesar do clima de tensão, nenhum faltou à chamada, nem mesmo Antony Blinken e Sergei Lavrov. Não se prevê qualquer discussão bilateral entre ambos. A hostilidade entre a Rússia e os EUA é demasiado grande, não deixa infelizmente espaço para um encontro a esse nível. Mas Blinken esteve reunido com o seu homólogo chinês, Wang Yi, e foi positivo. Mostrou que o G20 abre oportunidades, que é uma plataforma que convém manter e reforçar. A sua composição prefigura, em certa medida, o que seria uma versão moderna do Conselho de Segurança da ONU.
Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU