O futuro do "selfie made" Presidente Marcelo em quatro atos
Marcelo Rebelo de Sousa chega hoje ao final do seu segundo ano como Presidente da República com um capital de popularidade absolutamente imbatível - e que o deixa relativamente à vontade para choques futuros. Ouvindo politólogos e comentadores políticos - Carlos Jalali, Nuno Garoupa e João Taborda -, o DN antecipa datas chave nos três anos que faltam ao mandato presidencial. Hoje o Presidente poderá assinalar a data mas à hora em que esta edição era fechada nada estava decidido ainda.
[artigo:9172830]
Ato I. O fantasma da mortandade de 2017
António Costa sabe e o Presidente da República sabe. Se no próximo verão, se repetir algo de parecido com o que se passou no verão passado - 112 mortos em duas vagas de incêndios, a primeira em junho e a segunda em outubro - então o Governo cairá e o país partirá para eleições antecipadas. A possibilidade até já terá sido mesmo conversada entre os dois, primeiro-ministro e Presidente da República. Marcelo e Costa estão comprometidos com a ideia de que pura e simplesmente não se pode repetir o que se passou em 2017, nem sequer por aproximação. Nuno Garoupa, comentador político no DN, jurista emprestado à investigação na área económica, acha que, garantidamente, para lá do que se passar ou não, o Presidente da República manterá nesta questão "o tom interventivo" e o que resta saber é se o Governo conseguirá passar a imagem de que "fez tudo o que podia fazer" para evitar uma nova tragédia". Para já, no seu entender, "sendo propaganda ou não", a verdade é que "ninguém pode dizer que o Governo não fez nada". Carlos Jalali, politólogo, valoriza também o mesmo dado: no caso de nova tragédia, a posição do Costa "dependerá da perceção do que fez ou não o que deveria ter feito". A uma eventual questão futura dos incêndios aplica-se o que o jurista (ex-secretário de Estado do Poder Local no segundo governo de Passos) disse ao DN: "O maior desafio Marcelo é interpretar corretamente os desejos da maioria da população portuguesa e os interesses de Portugal no exercício visível e invisível da sua função, desde a fiscalização da constitucionalidade das leis aos abraços dados na visita a uma IPSS."
Ato II. O último OE da geringonça
Evidentemente, ninguém antecipa que haja alguma rutura na maioria de esquerda por causa da discussão, de outubro a novembro próximo, da proposta de Orçamento do Estado para 2019, o último da legislatura. Seja como for, em Belém tomou-se nota de que as negociações foram endurecendo à medida que o tempo passou, adivinhando-se que as próximas sejam mais difíceis do que nunca. Ou seja: este será um momento delicado para o Presidente gerir, com os habituais apelos para que haja mais investimento público e que o Governo não ceda aos cânticos antieuropeístas do BE e do PCP. "Acho altamente improvável uma rutura mas em política tudo pode acontecer." Nuno Garoupa também partilha da ideia de que nem BE nem PCP romperão: "Não querem ficar com esse ónus."
Ato III. A incógnita das eleições legislativas
Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Belém já com o governo de António Costa, apoiado na "geringonça", na plenitude das suas funções, empossado pelo anterior Presidente da República, Cavaco Silva. Ou seja, Marcelo nunca indigitou um primeiro-ministro e nunca deu posse a um Governo (só a ocasionais governantes nas remodelações que já aconteceram). Jalali e Garoupa salientam o óbvio: as dificuldades que o Presidente da República enfrentará depois das eleições resultaram diretamente da "aritmética eleitoral". E ambos coincidem noutro ponto de vista: o pior cenário para a afirmação política do inquilino de Belém será o de uma maioria absoluta monopartidária (que, julgando pelas sondagens atuais, será, a acontecer, do PS). Garoupa acrescenta que cenário o poderá ajudar a esclarecer um enigma: "se a visão maximalista que Marcelo tem dos poderes presidenciais resulta das circunstâncias - um governo minoritário liderado por um partido que não ganhou as eleições - ou se lhe é algo intrínseco." Seja como for, o cenário poderá ser mais complicado do que uma simples maioria absoluta. Jalali reconhece, por exemplo, a hipótese de haver uma maioria de esquerda mas que deixará de ser maioritária se o PCP confirmar o que tem vindo a dizer: na próxima legislatura não assinará com o PS qualquer "posição conjunta" - "uma maioria que não será plena". É um cenário potencialmente danoso em termos de estabilidade política, uma exigência permanente do Chefe de Estado. Marcelo poderá então enfrentar momentos de desgaste. João Taborda da Gama enuncia outro dos desafios do PR: "Que saiba lidar com uma eventual, mas não previsível, perda de popularidade."
Ato IV. O tabu da recandidatura
Chegados aqui, entramos em 2020. Marcelo já disse que esse será o ano para esclarecer se será ou não recandidato a Belém. Há quem alvitre que pode ter o sonho de ficar na história como o primeiro Presidente da democracia que recusa tentar um segundo mandato. Mas neste caso, diz Carlos Jalali, enfrenta uma circunstância peculiar: "Tornou-se prisioneiro da sua popularidade." Ou seja, tenderá a perder popularidade por esta poder ser vista como uma decisão incompreensível.
Jalali e Garoupa coincidem noutra análise: o resultado das legislativas de 2019, no caso de uma maioria absoluta do PS, poderão levar o Presidente a querer deixar Belém - algo que o próprio apresentará, se acontecer, como um gesto de desapego ao poder e às respetivas mordomias.
Mas Garoupa na verdade não acredita que Marcelo não se irá recandidatar. Até lhe atribui o sonho de poder querer bater o recorde que atualmente é de Mário Soares, na sua recandidatura de 1991: o homem mais votado de sempre na democracia (mais de 70% dos sufrágios, ou seja, mais de 3.5 milhões de votos). Se o PS não tiver um candidato próprio - como não teve em 2016 - não será sonhar demasiado alto.
Em julho do ano passado, o Presidente da República, em entrevista ao DN, falou dos grandes assuntos nacionais. Releia aqui na íntegra