O futuro do Parque Mayer sonhado pelo homem que lá entrou pela 1.ª vez com dois dias

Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António e neto do famoso empresário teatral com o mesmo nome, quer acabar com a degradação da zona de teatros e criar um novo pólo cultural em Lisboa.
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"Entrei pelo Parque Mayer dentro de uma alcofa com dois dias". Enquanto se dirige à porta de atores do Teatro Capitólio, Vasco Morgado, neto do célebre empresário dos teatros de mesmo nome, lembra os seus primeiros dias de vida no Parque Mayer, inaugurado em 1922 no coração de Lisboa. É quase um século de história que sobrevive em vários edifícios, enquanto outros foram demolidos ou substituídos. Um dos que desapareceu "foi o Teatro ABC, onde agora está o parque de estacionamento", diz o presidente da Junta de Freguesia de Santo António, que ambiciona criar um novo pólo cultural na cidade.

"Era uma aldeia dentro da cidade com cafés, salas de jogos, restaurantes, teatros, cinemas, concertos, atividades ao ar livre, um sítio mágico onde as pessoas se deslocavam para sair um bocadinho da pressão do dia.", diz Vasco Morgado, olhando a entrada do Parque com nostalgia.

A Ribeira Brava do Sr. Paulo ou o Mayer Bar era onde se encontravam os artistas, que brindavam quem por lá passava com declamações e atuações de atores, cantores e músicos. Artistas estes que depois eram geridos por produtores como Vasco Morgado avô, que "agarrou numa companhia que naquela altura era o Vasco Santana, o António Silva, o Ribeirinho, a Laura Alves, a Teresa Gomes". É com esperança que Vasco Morgado neto, também ele empresário do teatro, olha em volta do Capitólio e na possibilidade de voltar a ser uma fábrica de artistas. Artistas estes que podem ir ficando, como Simone de Oliveira ou Fernando Mendes.

O Parque Mayer, do ponto de vista de Vasco Morgado, deve ser olhado como uma escola no sentido mais lato da palavra. O projeto desenvolvido pela freguesia, e a que o DN teve acesso, encontra neste espaço um ponto de encontro para a arte e para o ensino. Conta com a possibilidade de juntar num só espaço os vários teatros, a Escola Superior de Teatro e Cinema, a Escola de Música do Conservatório Nacional, a Escola de Dança do Conservatório, o Museu do Teatro e o Museu do Brinquedo. O objetivo é transformar esta zona num pólo cultural único na Europa, que junta todas as artes, a música, a dança e a representação. Esta ideia seria coordenada entre a Câmara Municipal de Lisboa, o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação. "É uma ideia para devolver o Parque Mayer à cidade e às pessoas.", reforça o Presidente da Junta nos últimos oito anos.

Vasco Morgado lamenta o declínio do Parque Mayer que se acentuou a partir de 1995 além da questão económica. Foi acompanhado pelo declínio de pensamento em relação ao teatro em si. As salas começaram a ficar mais pequenas, as entradas mais caras e as pessoas mais cansadas de ir ao teatro. "Em teatro, tanto no Parque Mayer como em qualquer teatro, o segredo de termos gente numa peça é se o público gosta ou não da peça, quando o público gosta, vai." É desta forma que o antigo Diretor Artístico do Teatro Villaret (que fica fora do Parque Mayer) lembra que a arte é vista de forma diferente por cada um.

"Nós portugueses, nós latinos, temos muito a coisa da saudade e da esperança e do que está para trás mas a vida faz-se de evoluções, e se o Estado e os dois ministérios perceberem o objetivo de tudo isto, o Parque Mayer pode efetivamente voltar a ser uma escola no seu sentido mais lato, escola de ensino." Portugal já ganhou prémios com cantores, dançarinos, atores, telenovelas e poderia ganhar ainda mais se fossem dadas condições aos artistas para se formarem e para formar as pessoas para a cultura, garante. O nosso país tem talento para exportar e conseguiria estar ainda mais preparado com um local para esse crescimento.

Vasco Morgado fala na importância de reeducar o público a ir ao teatro pois "se não formos ao teatro em pequeninos não sabemos o que é ou podemos ter a pouca sorte de ver uma coisa de que não gostamos em grandes e nunca mais lá voltamos." Considera que este é um hábito que deve ser criado desde pequenino e que transferindo o Museu do Brinquedo para o Parque Mayer é possível ter o museu no andar de baixo e o teatro infantil em cima.

As luzes do palco do Capitólio a serem montadas novamente entre risos e conversas lembram as possibilidades que um Parque Mayer renovado pode trazer à cultura, a Lisboa e aos seus habitantes.

dnot@dn.pt

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