O futuro do oceano já aqui está

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In memoriam
do Professor Ernâni Lopes

Eram exatamente 17h20, do dia 1 de julho, quando o copresidente português bateu com o martelo, dando por aprovada, por consenso, a Declaração de Lisboa - O Nosso Oceano, o Nosso Futuro, a Nossa Responsabilidade. Nesse momento, lembrei-me da Megan, da Jana e do Nihit, os três jovens da Universidade de Bolton que vieram à 2.ª Conferência da ONU sobre o Oceano, no seguimento da parceria do Consulado-Geral de Portugal em Manchester com a universidade. Uns dias antes da sessão de encerramento, estive com eles a conversar debaixo da pala do Pavilhão de Portugal. Diziam-me que a vinda a Lisboa tinha sido inesquecível. Com enquadramentos socioculturais distintos (uma é inglesa; outra checa; o terceiro, indiano), os três alunos de Bolton falaram-me do que tinham aprendido, da conversa com o secretário-geral da ONU, em Carcavelos; da inspiração motivadora de Sylvia Earle (uma papisa do oceano) e de como, doravante, se sentiam ocean advocates. Aposta ganha, pensei naquele momento.

Este é talvez o mais importante legado da Conferência do Oceano que teve lugar de 27 de junho a 1 de julho: uma onda de consciencialização que não deixa ninguém indiferente. Os 135 jovens que estiveram no Fórum da Juventude e Inovação são agora barcos a navegar, porta-vozes da dinâmica de Lisboa.

Mas não foram só eles: o que dizer das centenas de eventos paralelos, que envolveram governos, sociedade civil, academia, cientistas, ONG, ativistas, setor privado, Marinha, fundações, cientistas, investigadores e outros tantos atores? Trocámos milhares de palavras, partilhámos experiências, aprendemos reciprocamente, inaugurámos parcerias, percebemos, se dúvidas houvesse, que somos mesmos muitos nesta causa de defesa do oceano.

CitaçãocitacaoE agora? Agora, como disse o Presidente da República na sessão de encerramento, "é tempo de ação, ação, ação". A rota é claríssima, haja marinheiros para esta navegação.esquerda

A Declaração de Lisboa faz a síntese de tudo isto: explica-nos a razão da importância do oceano; identifica as ameaças, reconhecendo onde temos vindo a falhar; sublinha o nexo oceano-clima. Mas faz mais do que isso: aponta caminhos de forma inequívoca, como a necessidade de estabelecer áreas marinhas protegidas (30% até 2030); o combate ao plástico mono-uso, cujo acordo internacional vinculativo terá de estar pronto até 2024; a necessidade de concluir o chamado Acordo de Alto-Mar (proteção da biodiversidade para lá das áreas de jurisdição nacional), cuja próxima reunião é já em agosto; executar de forma firme o ordenamento e gestão do espaço marítimo, matéria em que Portugal é pioneiro; empoderar as mulheres, raparigas e jovens e trabalhar sem demora na descarbonização do transporte marítimo, tarefa a cargo da Organização Marítima Internacional.

Mas há mais: durante os 5 dias da UNOC todos foram convidados a apresentar compromissos tangíveis e mesuráveis. No momento em que escrevo estas linhas estavam já registados 2031 compromissos voluntários, orçando em mais de uma dezena de mil milhões de euros.

Não é em vão que se mobilizam 159 Estados; 24 chefes de Estado/governo; 124 ministros; 2000 stakeholders de entidades não-governamentais ou 500 jornalistas acreditados num encontro internacional: é porque todos partilham do sentido de urgência. Dos alunos de Bolton à Declaração de Lisboa; das oportunidades da economia azul, à ligação do oceano, às alterações climáticas; do papel da ciência e inovação, ao debate sobre biotecnologia ou transição energética, tudo isto esteve em Lisboa e nos convoca numa plataforma colaborativa e inclusiva, onde a multiplicidade de vozes, em vez de uma torre de Babel, é uma bússola que aponta caminho.

E agora? Agora, como disse o Presidente da República na sessão de encerramento, "é tempo de ação, ação, ação". A rota é claríssima, haja marinheiros para esta navegação.

Autor de Economia Azul (FFMS) e Diplomacia Azul (Caleidoscópio)
e Cônsul-Geral de Portugal em Manchester

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