O futuro britânico é feito de muitos tons
SENTADA NOS SEIXOS que são a imagem de marca da praia de Brighton, Kate Legate come sem pressas uma salada enquanto observa o mar do Sul de Inglaterra. A jovem bancária é uma eleitora convicta dos verdes e deu o seu contributo para a eleição no dia 6 de Caroline Lucas, a primeira ecologista na Câmara dos Comuns. «Acredito na sua ideologia, que é muito mais do que a reciclagem. Os verdes defendem uma sociedade justa, o sistema nacional de saúde, a educação pública.»
Tal como boa parte dos 61 milhões de britânicos, esta mulher de 29 anos, com sorriso simpático, despertou nos últimos anos para os problemas do aquecimento global e diz-se «satisfeita por todos os partidos terem inscrito nos programas medidas ambientais».
Situada a cinquenta minutos de Londres, que se fazem num comboio que sai da estação de Victoria, Brighton é desde o século XVIII uma espécie de praia da capital, com figuras históricas curiosas como o indiano que abriu os primeiros banhos turcos há mais de duzentos anos ou a senhora que ajudava os visitantes a tomarem banho de mar e que, talvez graças a tanto tempo dentro de água salgada, viveu quase até aos 100 anos. Agora, além de estação balnear, Brighton é também a capital verde do Reino Unido. O que merece o aplauso de Hester Eindhoven, funcionária de um restaurante vegetariano em Birmingham. «É óptimo. Temos de pensar no planeta.»
As preocupações ambientais não estão no topo das prioridades de John Tuchfelds, um reformado de 80 anos que veio passar uns dias a Brighton, mas que vive no centro de Inglaterra. É a sobrevivência do Estado social que mais o preocupa. «Os políticos são todos lixo. E sabem disso. E pensam que nós não sabemos. Votei para salvar o Estado-Providência», diz, sem poupar nas palavras. De seguida, volta a pegar no mapa da cidade. Está a pensar fazer uma caminhada, talvez ir mesmo até ao molhe que entra pelo mar adentro umas centenas de metros e faz parte da alma dessa cidade.
LOGO A SEGUIR à Segunda Guerra Mundial, o governo liderado pelo trabalhista Clement Attlee, que derrotou com certa surpresa o conservador Winston Churchill, lançou uma série de medidas sociais que tornaram mais justa e equilibrada a sociedade britânica. A mais importante terá sido a criação do sistema nacional de saúde (NHS, na sigla inglesa), obra do seu ministro Aneurin Bevan. Verdadeira instituição britânica, o NHS foi fortemente reforçado nos anos mais recentes, desde a primeira vitória de Tony Blair em 1997. E nas últimas eleições o primeiro-ministro Gordon Brown, que sucedeu a Blair em 2007, fez questão de reclamar para o seu partido os méritos do sistema.
E com razão: em 13 anos, o pessoal médico e hospitalar passou de um milhão para quase milhão e meio, com reflexos na saúde das populações, com o aumento da esperança de vida e a redução da mortalidade infantil. Mas nem mesmo os conservadores de David Cameron, provável primeiro-ministro, ousam pôr em causa o NHS, mesmo que todo o seu discurso tenha sido em termos de redução das despesas.
«Os conservadores não se interessam pelas pessoas, só acreditam no mercado», afirma Robert Morgan, um sindicalista de Cardiff, essa cidade do País de Gales onde numa das ruas principais, a Queen Street (ou Heol-y-Frehines, aqui manda o bilinguismo), se ergue uma estátua homenageando Bevan, o tal criador do NHS. Região muito marcada por um passado mineiro, Gales vota tradicionalmente trabalhista, assim como a Escócia, pouco tendo contribuído para o triunfo do Partido Conservador nas legislativas de dia 6.
Mas Cameron, cujo estilo lembra tanto Blair que por vezes é chamado «Tory Blair», fez toda a sua carreira como líder partidário a recentrar o partido, afastando uma certa má memória dos anos Thatcher, a campeã do ultraliberalismo económico. O que não significa que não haja necessidade objectiva de conter o despesismo estatal, sobretudo porque a crise atingiu em cheio as ilhas britânicas e no ano passado, a par de uma contracção de 4,9 por cento da economia, o défice ultrapassou os 11 por cento.
Cansaço do eleitorado por tantos anos de trabalhismo, maus resultados económicos, desastrada condução da campanha eleitoral, tudo contribuiu para a derrota de Brown. «Está na hora de mudar. Os trabalhistas estiveram mal nestes 13 anos», afirma Watkins, que caminha a passo apressado em Southwark, o bairro onde fica a Tate Modern e que tem mesmo em frente, na outra margem do rio Tamisa, a City, essa espécie de capital mundial da finança. Para este gestor, homem para os seus 50 anos, a grande preocupação tem de ser a recuperação económica.
«E isso vai exigir muito a toda a gente», acrescenta, referindo-se aos cortes que vão ter de ser feitos nas despesas estatais. Cameron não fala de aumentos de impostos, mas os seus potenciais parceiros de governo, os lib-dem, defenderam durante a campanha uma subida da percentagem a cobrar nos escalões mais altos.
Muito apreciado devido ao seu bom desempenho nos três debates televisivos, Nick Clegg, o líder liberal-democrata, não agradou, porém, na City. «Por vontade dele, muitos investidores ir-se-iam embora», comenta um analista da Bolsa, inconfundível como sikh, apesar do uniforme fato e gravata, dado o turbante e a barba, e que pede para ser identificado apenas como Singh.
A City esteve de corpo e alma com Cameron nestas eleições, basta ver que o Financial Times apoiou os conservadores, mas não tem grandes razões de queixa dos anos de governo Blair-Brown. Não só o PIB cresceu 25 por cento em termos reais, como o peso do sector financeiro na riqueza nacional passou de 6,1 por cento para 8,3 por cento. Contudo, a expectativa em relação ao novo primeiro-ministro é enorme, tentando perceber o que significa o seu «conservadorismo com compaixão», uma ideia tomada de empréstimo ao americano George W. Bush. Segundo Tim Walker, colunista do Daily Telegraph, «o partido de David Cameron é mais gentil que o de Margaret Thatcher. Por exemplo, em relação à homossexualidade. Cameron orgulha-se dos candidatos gay que o partido apresenta. Mas em matéria económica continua similar ao de Thatcher. Ele, como ela, vai herdar uma confusão económica e terá de pôr as contas em ordem».
E não são só os homens de negócios que esperam dos conservadores uma espécie de milagre. «O Labour esteve muito mal a lidar com a economia. Cameron sabe o que é mais certo fazer para acabar com a crise», opina Leung, um taxista, exasperado por estar há horas junto à estação ferroviária de Cardiff e não aparecerem clientes. De origem chinesa mas cidadão britânico, Leung acredita que o papel de um governante é criar condições «para quem quer trabalhar poder trabalhar e não, como alguns, andar sempre a inventar impostos». A mesma opinião tem Steve Martin, lojista em Londres, «mais irritado nestes dias com as cinzas nos céus, que nos roubam turistas, do que com os políticos».
Ray Andrews, por seu lado, lamenta que as pessoas já não acreditem «nem em Deus nem nos políticos». Pastor anglicano, este homem de 59 anos veio há três anos para Southwark com a missão de reabrir a Igreja de São Jorge Mártir, um edifício de tijolo escuro com um belíssimo tecto cheio de dourados. Admite que continua a haver pobreza na zona, apesar da recente reabilitação urbana e da forte melhoria das condições sociais, mas nada que se compare com outros tempos. E recorda que a sua igreja foi no século XIX frequentada por Charles Dickens, que nas imediações encontrou muitos motivos de inspiração. «Viu famílias inteiras de operários amontoadas em pequenos quartos. O género de cena que colocou em Oliver Twist e noutros livros», acrescenta o reverendo.
CARLA DE MATOS confirma que em Southwark como noutros bairros de Londres continua a existir muita gente necessitada. Funcionária do Red Kite, ou Papagaio Vermelho, uma organização caritativa, esta portuguesa com raízes moçambicanas explica que o objectivo é apoiar desempregados que precisam de formação para reentrar no mercado de trabalho. Mas a crise atingiu em pleno a própria Red Kite: «No ano passado foram dispensadas 12 pessoas em trinta. E como o trabalho aumentou, agora cada um faz o que faziam três», explica Carla, uma psicóloga que veio há quatro anos para Londres em busca de vida melhor. Agora, resta-lhe esperar que a situação económica britânica melhore e que os fundos estatais, tal como as doações, regressem. E para isso, embora não pudesse votar nas legislativas, torcia pela vitória de Brown. «Os trabalhistas preocupam-se mais com os pobres», diz Carla, atrás de um balcão que, mesmo em tempo de crise, insiste em ter um pratinho com morangos. «É uma forma de boas-vindas», diz.
Existem 1,5 milhões de pessoas a receber subsídio de desemprego no Reino Unido, mas em termos reais o número de desempregados poderá já ter ultrapassado os 2,5 milhões, segundo cálculos do diário The Guardian. Rose é uma dessas pessoas que perderam o emprego nos últimos tempos. «Um dia disseram-me que tinham muita pena mas que tinham de me dispensar. Trabalhava como administrativa e fiquei sem palavras», conta esta mulher ainda jovem, com traços que revelam as suas origens indianas e que caminha pela rua principal de Camden, um bairro londrino popular pelos mercados e bares de música alternativa. Rose costumava votar nos trabalhistas, mas desta vez estava tentada pelos lib-dem.
Quem não duvidava que iria votar no Labour era Tom, que constrói molduras. «Aprecio Gordon Brown. Sinto que tem autoridade para governar e que apesar dos tempos difíceis sabe o que faz, sobretudo para evitar mais desemprego.» Eleitor trabalhista «desde sempre», o que este pai de família de 43 anos não perdoa é a recente carreira empresarial de Blair: «Parece que esteve no governo a preparar tudo para depois ser rico.» Contra Blair, o cabeleireiro Andrew Brown tem outras razões de queixa: «A triste ideia de impor um bilhete de identidade. Um atentado à liberdade individual.»
A memória de Blair, que venceu três eleições antes de entregar o governo a Brown, é um tema que divide os britânicos. Que trouxe prosperidade, ninguém duvida, nem mesmo os mais ricos, pois «nunca as diferenças sociais foram tão grandes», alerta Daniel Dorling, professor universitário e autor de Injustice, um livro sobre o fosso social britânico. Numa palestra de final de tarde na Housmans, uma livraria radical em Londres, Dorling fez uma discrição da forma como em 13 anos de Labour, apesar de tantas medidas sociais, o objectivo de uma sociedade mais igualitária não ter sido conseguido. E foi aplaudido por uma assistência jovem que não se sente satisfeita com o rumo do país e para quem um governo tory é pouco menos que pesadelo.
Albert Beale, um dos líderes da cooperativa que gere a livraria em King’s Cross, explica que «as pessoas estão assustadas com o regresso da ideia de que só o mercado interessa». Sem surpresa, na montra da livraria vendem-se bustos de Karl Marx por 22,5 libras (26 euros).
Muitos britânicos não perdoam a Blair a guerra no Iraque. É o caso de Laura, que vende lingerie no mercado de Portobello. «Votava sempre nos trabalhistas, mas desde a guerra da vergonha no Iraque perdi a confiança neles», diz esta vendedora ambulante de 76 anos. Mas hoje em dia é o Afeganistão que preocupa os britânicos, mesmo que nenhum dos grandes partidos defenda a retirada das tropas. Num pequeno relvado frente a Westminster, um grupo de pacifistas aproveitou a época de eleições para se manifestar pela saída imediata dos militares, numa semana em que houve mais duas baixas, com o total a aproximar-se dos trezentos. «Em tempo de eleições não há Parlamento. Por isso nós somos a voz do povo. E o povo quer que as tropas saiam do Afeganistão», diz Maria Gallastegui, porta-voz do grupo Peace Strike, que também denuncia a política externa britânica em relação ao Iraque e à Palestina. Têm dormido em pequenas tendas, que coexistem com os cartazes que esperam sejam lidos por quem decide.
As guerras no Afeganistão e sobretudo no Iraque, apoiadas pelo homem que conseguiu a paz na Irlanda do Norte, desiludiram muitos dos apoiantes dos trabalhistas, com destaque para as comunidades muçulmanas. A própria Shabana Mahmood, que eleita por Birmingham se tornou a primeira muçulmana com assento em Westminster, teve de declarar durante a campanha as suas reticências em relação à política externa. «Sou uma militante Labour e partilho 99 por cento dos objectivos do partido. Mas há assuntos como o Iraque em que discordo da linha oficial», disse ao Birmingham Mail. A vitória desta jovem de 27 anos, advogada em Oxford, não foi nenhuma surpresa, pois o seu círculo eleitoral é um bastião trabalhista e ainda por cima o eleitorado consiste sobretudo em minorias étnicas. Aliás, é comum ver na New Street, a rua comercial daquela que é a segunda cidade de Inglaterra, mulheres de burqa, empurrando carrinhos de bebé.
A ATITUDE perante a imigração é outra das grandes fracturas que atravessam a sociedade britânica. E vai desde o extremo de os nacionalistas galeses apresentarem um candidato chamado Mohammad Islam até ao outro extremo que é existir um partido extremista, o BNP, que defende a pureza racial do Reino Unido. Pelo meio estão pessoas como a eleitora trabalhista que interrogou Brown sobre a vaga de imigrantes do Leste e gerou neste uma reacção irritada pela qual teve de pedir desculpas.
Durante a era trabalhista, a população de origem estrangeira passou de três para sete por cento, mas aquilo que mais preocupa os defensores da identidade britânica é o elevado número de nascimentos nas minorias étnicas. Calcula-se que uma em cada quatro crianças nascidas no ano passado tenha uma mãe oriunda do estrangeiro. Curiosamente, Marcin, um paramédico polaco que trabalha no Reino Unido como motorista, sente-se identificado com Cameron, apesar de este defender restrições à imigração. «É o homem certo para gerir a economia», afirma Marcin, que além de ser da União Europeia (portanto isento dos limites desejados pelos tories) tem direito de voto porque é casado com uma britânica. Pai de um miúdo britânico de três anos que tenta saltar do colo para o chão no centro social polaco de Birmingham.
Para muitos imigrantes, os estudos são o pretexto para entrarem no Reino Unido e isso tem que ver com a reputação das universidades. «Oxford é excelente. Percebe-se que gente do mundo inteiro queira aqui estudar», diz Arabella Curry. Sentada num banco no pátio do Balliol College, que data do século XIII, a estudante de Clássicas está rodeada de livros, pois prepara-se para mais um exame. Mesmo assim não deixou de estar atenta às eleições, confessando simpatia por Clegg. Outra estudante universitária que se deixou cativar pelo líder liberal é Heledd Jones, da Universidade de Cardiff. «O Labour fez um mau trabalho. Os conservadores seriam um desastre. Mas com Clegg os liberais mostraram ser um partido refrescante, cheio de ideias.
Acho as suas políticas boas para as classes populares», afirma a estudante de Direito que, porém, alerta para a necessidade de apostar na educação a todos os níveis e não apenas no ensino superior.
Um dos receios com um governo tory é que a determinação em reduzir o défice se reflicta no orçamento para a educação, até porque Cameron é favorável ao modelos das chamadas «escolas livres», que entrega a gestão a professores, pais ou empresas, mas com o suporte financeiro do Estado. A era trabalhista foi generosa com a educação, um tema importante para muitos dos 3,1 milhões de novos eleitores. E por isso foi uma das bandeiras mais agitadas por Brown: no ano lectivo de 1997/1998 os gastos com a educação eram de 49 mil milhões de libras, no de 2008/2009 foram de 81 mil milhões.
Nia Sonko é uma boa síntese do Reino Unido de hoje. Com família africana e asiática, esta estudante sente-se uma britânica de corpo e alma. Aos 18 anos, não a assusta um governo conservador. Como não a assusta o futuro: «É possível construir a vida neste país. Foi o que os meus pais me ensinaram. E isso passa pela educação.»
Maré tory na imprensa
Já a noite eleitoral ia longa quando Peter Mandelson apareceu na SkyNews a acusar as televisões de serem hostis aos trabalhistas. Uma crítica que, desafiado por Adam Boulton a provar, o ministro do Comércio apenas conseguiu concretizar na atenção que todos os canais britânicos deram ao candidato do Labour que acusou Gordon Brown de ser o pior primeiro-ministro britânico de sempre. Mas se os trabalhistas parecem ter dificuldade em encontrar razões para acusar as televisões, bem se podem queixar de não ter tido o apoio dos jornais. Num país onde cada publicação tem a sua filosofia política bem definida e depois escolhe o candidato que melhor se lhe adequa, apenas o tablóide Daily Mirror se pronunciou a favor do voto em Brown.
No dia 5, os britânicos que compraram o Daily Mirror na véspera de irem votar, encontraram na primeira página um David Cameron coberto de XXX. Não o X que se marca no boletim de voto, mas aqueles que assinalavam as várias razões para não votar no líder dos conservadores. A começar pelas suas origens aristocráticas.
Mas se o menino de Eton e Oxford, as escolas onde se forma boa parte da elite britânica, não recebeu o apoio do Mirror, conquistou as boas graças do Times, Financial Times e da revista The Economist. Três publicações de referência que se deixaram seduzir pela mensagem de mudança, embora sem excesso de entusiasmo. Até mesmo aquela Economist que em 2001 dera o apoio ao trabalhista Tony Blair por o considerar «o melhor conservador à disposição». Também o tablóide The Sun, que nos últimos anos tem sido trabalhista, se deixou ir pela maré conservadora. Tal como o menos surpreendente Daily Telegraph ou o Daily Mail. Apoiante habitual do Labour, o Guardian desta vez decidiu apoiar os liberais-democratas de Nick Clegg.
DESILUSÃO LIBERAL NÃO IMPEDE CLEGG DE FAZER REIS
Mal as assembleias de voto fecharam, às 22h00 do dia 6, as primeiras sondagens à boca das urnas divulgadas pelas televisões BBC, ITV e SkyNews mostravam o que muitos britânicos receavam: o Reino Unido ia voltar a ter um hung parliament, ou Parlamento suspenso, em que nenhum dos partidos tem a maioria dos deputados. Era a primeira vez desde 1974 que tal acontecia. E os primeiros comentários mostravam como a vitória dos conservadores, com 36,1 por cento dos votos e 307 deputados (os resultados finais dar-lhe-ia 306, mas com a possibilidade de vencer o 307.º no círculo eleitoral onde a morte de um candidato levou ao adiamento da votação para dia 27) prometia não ser fácil de concretizar com um novo governo. Mas a verdadeira surpresa da noite foi o resultado dos liberais-democratas.
Depois de o seu líder, Nick Clegg, ter surgido como a nova estrela da política britânica nos três debates televisivos entre os principais candidatos, todos esperavam que essa popularidade se reflectisse numa ida maciça às urnas. Mas o sistema uninominal a uma volta usado no Reino Unido fez que mesmo tendo 23 por cento dos votos os liberais-democratas se ficassem pelos 57 deputados. Menos até do que em 2005.
Apesar de este resultado ficar longe do esperado, Clegg acabou por ver o mesmo sistema que o impediu de ter mais deputados dar-lhe a oportunidade de ser na mesma «fazedor de reis». No dia seguinte às eleições, já com os resultados definitivos conhecidos, o líder liberal-democrata veio a público afirmar que apesar de o sistema eleitoral britânico dar prioridade ao primeiro-ministro cessante para tentar formar governo no caso de não haver maioria de um partido, os liberais preferiam discutir primeiro com o conservador David Cameron antes de o fazer com o trabalhista Gordon Brown.
Grande derrotado da noite com 29 por cento dos votos e apenas 258 deputados eleitos, o chefe do governo trabalhista disse compreender a opção de Clegg. Mas recusou fechar a porta a eventuais negociações com os liberais caso estes não chegassem a acordo com os conservadores. Afinal, a política de impostos e a reforma do sistema eleitoral (que os liberais exigem) são enormes obstáculos no caminho de Cameron até ao número 10 de Downing Street, com apoio de Clegg. Apesar disso, e tendo em conta que mesmo juntos os trabalhistas e liberais não teriam a maioria de 326 deputados, tudo indicava que as negociações entre os homens de Clegg e os conservadores estavam no bom caminho.
Mas as surpresas nunca param. E o anúncio de que Gordon Brown se demitia da liderança do Labour veio voltar a baralhar os dados, abrindo portas a uma eventual coligação «progressista», com os nacionalistas escoceses e galeses a juntarem-se aos liberais e trabalhistas.